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Tapacurá estourou: 50 anos do boato que provocou pânico no Recife

Em 1975 ano da maior enchente da cidade um alarme falso espalhou medo e virou símbolo do poder destrutivo da desinformação décadas antes das fake news

Por Adriana Guarda Publicado em 20/07/2025 às 18:46

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Em julho de 1975, o Recife enfrentou duas tragédias: uma verdadeira e outra imaginada. Traumatizada, fazia apenas três dias que a população tinha assistido o Rio Capibaribe transbordar e deixar 80% da cidade debaixo d'água. Enquanto ainda limpavam a sujeira das casas e das ruas, surgiu o boato: "Tapacurá estourou!". O alarme falso de que a barragem havia rompido fez o medo virar pânico. 

Este 21 de julho marca os 50 anos da maior tragédia urbana do Recife. Meio século depois, a data impõe uma pergunta inevitável: e se o alarme falso de Tapacurá ocorresse hoje?

Silvio Meira, professor emérito do Centro de Informática (CIn) da UFPE e cientista-chefe da TDS Company, avalia que o espalhamento do boato seria maior nos dias de hoje. "O alarme falso circularia mais fácil. No Brasil, 75% da população usa WhatsApp todos os dias, o dia todo. Em compensação, o desmentido também chegaria com mais rapidez. Enviar uma foto de Tapacurá em situação de normalidade acalmaria", diz. Ele destaca que a raiz do problema está no fato de o brasileiro ser muito conectado, mas pouco educado.

Thiago Lucas/JC
Boato e fake news: desinformação que ajuda a instalar o caos - Thiago Lucas/JC

"A realidade é que 75% da população brasileira ainda é de analfabetos funcionais. Pessoas que não conseguem digerir as informações para tomar decisões; fazer conexões. Por isso, são mais facilmente manipuladas", diz. Ele cita a Finlândia como exemplo de um país menos vulnerável à manipulação da verdade, graças a um sistema educacional que, desde a alfabetização, ensina a interpretar criticamente as mensagens.

Formas de conter

Rosário Pompéia, sócia-fundadora da LeFil e estrategista de marketing, defende que a responsabilidade de conter os boatos é de todos: cidadão, governo e imprensa. “Hoje, um boato como o de Tapacurá teria menos impacto, porque as pessoas exigem provas — uma foto, um vídeo. Mas, ao mesmo tempo, com a inteligência artificial, seria possível forjar imagens e tornar o boato ainda mais perigoso.”

Ela destaca a necessidade de os governos acompanharem a transformação digital. “Os governos ainda não têm a agilidade digital do cidadão. Falta domínio das redes, canais de confiança e resposta rápida — e isso dificulta conter a desinformação antes que ela ganhe grandes proporções.”

A especialista também destaca o papel ativo que cabe a cada cidadão. Com a internet, a força dos boatos atravessa fronteiras, épocas, cidades, países. “A primeira pessoa que deve agir para conter o caos é o próprio cidadão. Não dá para jogar toda a responsabilidade nas plataformas, no governo ou na imprensa. Cabe a cada um checar a fonte antes de repassar qualquer informação. Já a imprensa precisa ouvir o que as pessoas estão dizendo nas redes para aprofundar o debate. Hoje, o furo não está em chegar primeiro, mas em ultrapassar o ruído e aprofundar a compreensão”, alerta.

Boato e tecnologia

O jornalista Homero Fonseca conta no seu livro Tapacurá — Viagem ao planeta dos boatos que o governador Moura Cavalcanti estava despachando em seu gabinete, no primeiro andar do Palácio do Campo das Princesas, quando o oficial do Corpo da Guarda avisou sobre o pânico nas ruas. O gestor chamou o chefe da Casa Civil para saber o que estava acontecendo. O desmentido veio de um operador que estava de prontidão na sala de administração da barragem, desde que o Capibaribe havia inundado a cidade. Usando um transmissor de rádio, ele avisou que Tapacurá estava dentro da normalidade.

Pedro Luiz/Cortesia
Um dos maiores fotojornalistas da época, Pedro Luiz acompanhou nas ruas o pavor das pessoas, acreditando que Tapacurá havia estourado - Pedro Luiz/Cortesia

Em pleno auge dos anos 1970, o governo recorreu às rádios, às TVs e a carros com alto-falantes para conter o rumor. O próprio governador se pronunciou e foi às ruas tentar acalmar as pessoas. Hoje, a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) consegue monitorar as barragens, os rios e as chuvas em tempo real. Pelo site e pelas redes sociais, é possível acompanhar o que acontece no Estado.

No ano da enchente e do boato de Tapacurá, a Defesa Civil de Pernambuco ainda era um órgão recente. Em abril de 1971, o governo criou a Comissão Estadual de Acompanhamento às Vítimas de Calamidades Públicas, que depois se transformaria na Codecipe. Hoje, pelo celular, a população recebe alertas por SMS e WhatsApp, informando sobre riscos de desastres naturais, como chuvas fortes.

Fake news em 2011

Depois de ficar eternizado na memória do pernambucano, o fantasma do boato “Tapacurá estourou” voltou a assustar as pessoas no dia 5 de maio de 2011. O alarme falso repercutiu online e offline. Falava-se sobre um alagamento gigantesco provocando caos, engarrafamentos quilométricos, ônibus e metrôs lotados e pessoas andando longas distâncias para fugir de uma catástrofe imaginária. Uma vez desmentido, o episódio acabou virando piada — e, claro, muitos memes.

 

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