DIREITOS HUMANOS | Notícia

"É um desafio muito grande e um compromisso", afirma Pedro Ribeiro, há dois meses à frente da Secretaria Executiva de Periferias em Pernambuco

Secretário Pedro Ribeiro detalhou ao JC como atua a estrutura, os seus desafios e resultados nestes primeiros dois meses de existência da pasta

Por Laís Nascimento Publicado em 11/04/2025 às 13:32

Mais de um milhão de pernambucanos reside em favelas e comunidades urbanas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado é o terceiro do país que concentra maior número destes territórios, atrás apenas de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Da Região Metropolitana do Recife ao Sertão, são 849 favelas e comunidades urbanas e 474.809 domicílios. Para o instituto, os conceitos são aplicados a territórios onde há predominância de domicílios com alto grau de insegurança jurídica, ausência ou oferta incompleta de serviços públicos e áreas com restrições à ocupação devido ao risco ambiental.

Apesar de problemas históricos - e potencialidades invisibilizadas -, só em 2025 o Governo de Pernambuco criou uma pasta para tratar exclusivamente dessas regiões. A Secretaria Executiva de Periferias, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh), foi criada no dia 14 de fevereiro com o objetivo de fortalecer políticas públicas voltadas às comunidades periféricas do estado.

Entre os eixos prioritários da nova secretaria estão habitação, infraestrutura, segurança alimentar, assistência social, educação e empregabilidade.

À frente da pasta, o pedagogo Pedro Ribeiro, especialista em Gestão de Projetos Sociais e mestre em Educação, Culturas e Identidades e que já ocupou o cargo de secretário executivo de Criança e Juventude, detalhou ao JC como atua a nova estrutura, seus desafios e resultados nestes primeiros dois meses.

O secretário explicou que a pasta foi criada pela governadora Raquel Lyra com o objetivo de fazer intervenções efetivas e duradouras. “Que elas não sejam intervenções que sejam por um momento, que vão ficar muito bonitas no Instagram ou na peça de comunicação, mas que na vida das pessoas não têm impacto real. Que a gente possa fazer intervenções que sejam duradouras e tenham impacto na vida das pessoas”, afirmou.

Artur Borba/JC Imagem
Em Pernambuco, mais de um milhão de pernambucanos que vivem nas favelas ainda enfrentam desafios diários - Artur Borba/JC Imagem

Jornal do Commercio: Como a Secretaria Executiva de Periferias deve atuar no território pernambucano?

Secretário Pedro Ribeiro: A Secretaria foi pensada como uma estratégia para unificar as políticas dos territórios de periferia. A gente entende que todas as secretarias de Estado pensam estrategicamente políticas para os territórios das periferias, mas por vezes faltava uma secretaria que fizesse essa unidade, pensasse esses territórios a partir da sua diversidade, mas também particularidade de cada periferia, exigindo uma política específica para cada território.

JC: Por que ela está vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação?

Pedro Ribeiro: A gente tem chegado nesses territórios com política de habitação, qualificação desse território e melhoria habitacional. Entendemos que política de habitação é importante, assim como políticas de desenvolvimento urbano, mas sozinhas elas não dão conta de superar a vulnerabilidade dos territórios. A gente chegar enquanto política de Estado e a nossa atuação é como uma secretaria de articulação.

JC: Na prática, como funciona o diálogo da secretaria com as periferias e também com as outras secretarias estaduais?

Pedro Ribeiro: Antes de tudo, procuramos escutar o território e mapear o que é que existe do estado lá. Em quase toda comunidade, existe uma escola estadual e é o lugar por onde a gente entra, entendendo que a escola e a educação têm um papel importante na superação da pobreza e da vulnerabilidade e também que, por vezes, é um espaço que foi conquista da população.

O mapeamento é muito além de levantar os equipamentos, mas é escutar as comunidades, as lideranças e as pessoas que por vezes têm grande impacto na vida das pessoas, como um pastor, uma mãe de santo, uma senhora que faz uma ação social ou um professor de futebol que se reúne com as crianças. Traçamos um plano de ação e voltamos para a comunidade porque às vezes o que o outro fala não é necessariamente o que a gente escuta.

JC: Atualmente, estão sendo mapeadas as comunidades de Roda de Fogo, Nova Morada, Peixinhos e Jardim Monte Verde, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Como foi feita a escolha dessas periferias?

Pedro: A gente tenta fazer toda intervenção pensando nos dados do território. Fazemos o mapeamento dos dados dos territórios que não têm os serviços públicos, tanto estaduais, quanto municipais, para entender onde estão as vulnerabilidades. Inclusive, a gente consegue pensar de que forma podemos medir o impacto da nossa ação, pois, por vezes a gestão pública faz muitas ações, mas não consegue mensurar o impacto real dela.

DESAFIOS E PROJETOS

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Saneamento é um dos desafios encontrados nas favelas e comunidade urbanas de Pernambuco - Artur Borba/JC Imagem

Jornal do Commercio: Nesse mapeamento inicial, quais foram os maiores desafios encontrados?

Pedro Ribeiro: Eu acredito que o maior desafio hoje para esses territórios é a questão da insegurança alimentar e a precariedade das condições de habitação. É uma demanda histórica e quando a gente chega nesse território, vê que é algo urgente. Por isso, 80% das nossas mães que estão no Programa Mães do Pernambuco são de território periférico na RMR e, das 12 cozinhas comunitárias, 10 funcionam em territórios periféricos.

JC: Em Pernambuco, apenas 35% dos domicílios têm conexão à rede de esgoto e 78% são abastecidos pela rede geral de água. Quais são os projetos da secretaria para o saneamento?

Secretário: Saneamento é um problema do nosso país e não é só um problema da política de desenvolvimento urbano, mas de saúde. A gente sabe que, de fato, são políticas estruturais que faltaram por anos nesse território. Temos chegado com habitação, política de desenvolvimento urbano e tentado trazer também saneamento, entendendo que ele é antes de tudo direito à saúde e dignidade.

Mas, se a gente está pensando em territórios periféricos, que por vezes a própria organização nos traz uma complexidade para a construção do saneamento, a gente vai precisar de mais tempo, recursos e escuta.

JC: De acordo com o estudo “Sem moradia digna, não há justiça de gênero”, organizado pela ONG Habitat para a Humanidade Brasil, mulheres negras podem levar até 184 anos para ter a casa própria em uma favela no país. A Secretaria Executiva de Periferias tem alguma política voltada para as mulheres?

Ribeiro: Esse território tem cor e gênero. Os dados do IBGE mostram que quase 80% são pessoas negras, mulheres negras, chefes de família e mães solo em sua maioria. Se nunca foi visto pela gestão pública nos outros anos, não se quis ver, porque quando se chega isso grita. As políticas precisam também dar conta dessa particularidade.

O Reforma no Lar é um programa de melhoria habitacional pensado especificamente para famílias e lares que são chefiados por mulheres. Essas mulheres são mães e quando estou pensando no Mães de Pernambuco e temos 80% dessas mulheres em territórios periféricos, essas mulheres são mulheres negras. As nossas políticas têm um público específico, que é o público de pessoas negras, é um público de mulheres negras.

JC: Como é estar assumindo essa pasta e os desafios dela, estando à frente dessas políticas? Como o fato de morar na periferia está contribuindo para você ter um olhar mais direcionado para os territórios?

Pedro: Eu tenho 38 anos e nasci na periferia, na Mustardinha [Zona Oeste do Recife], onde moro até hoje. Enfrentei todos os desafios que você possa imaginar enquanto um menino negro de periferia e fui um ponto fora da curva. É importante frisar que estou ocupando esse lugar a partir de oportunidades que pude ter de acesso à educação e pensar periferia para mim é muito importante.

Eu tenho responsabilidade com aquele lugar e, pelo acesso à educação, sempre pesquisei esse território a partir de uma perspectiva que para mim é muito importante de que periferia, antes de tudo, é formada por gente e esses sujeitos têm uma forma de ser e de estar totalmente diferente. Para mim é um desafio muito grande e um compromisso pensar de que forma posso trazer o que eu consigo observar no meu dia a dia, a partir da perspectiva de quem vive e viveu. Observar a periferia é muito importante, mas quem vive e viveu consegue observar e ver questões muito específicas.

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