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Editorial JC: Desigualdade estrutural

Estudo inédito confirma a perversidade das condições de vida em uma cidade tão bela quanto desigual, quando a infraestrutura é parte da segregação

Por JC Publicado em 05/11/2025 às 0:00 | Atualizado em 05/11/2025 às 7:11

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Uma perspectiva dramática nos cenários de mudanças climáticas é a diferença nas consequências de fenômenos extremos numa mesma localidade, em razão do abismo estrutural onde cidadãos de um bairro bem servido pouco sofrem, enquanto comunidades carentes instaladas em áreas de risco ficam expostas a muito mais sofrimento e probabilidade de destruição e morte. Além desse risco associado ao que está do lado de fora, a falta de atendimento a direitos básicos piora a situação, elevando, através da desigualdade, o potencial efeito de chuvas fortes e alagamentos, por exemplo.

Dados do Censo de 2022 foram a base para estudo inédito do Instituto Pólis, que vem corroborar a observação da desigualdade na capital pernambucana. A parcela mais pobre da população recifense é muito mais vulnerável aos rompantes do clima, devido às carências estruturais. Além do Recife, foram analisadas as cidades de São Paulo, Belém e Porto Alegre.

Aqui, a deficiência habitacional deixa quase 200 mil pessoas em alto risco em caso de chuvas torrenciais. Enquanto nos bairros bem atendidos há 90% das residências com esgoto, nos bairros mais pobres em áreas de risco a cobertura não chega a 40%. A segregação é racial e social: a população majoritariamente negra é a que vive sem estrutura.

Outros dados revelam a inversão de prioridades na gestão das calçadas, que podem proteger as áreas vulnerabilizadas. Enquanto as calçadas dos bairros centrais chegam a ser substituídas inteiramente de poucos em poucos anos, menos da metade dos domicílios nas áreas pobres estão em vias com calçadas. A renda média, por óbvio, é muito menor nesses locais sem estrutura, tornando a ação e a atenção do poder público ainda mais necessárias. A desigualdade se apresenta em todas as suas perversas faces, sem que os governos pareçam se esforçar para, ao menos, minimizar os riscos inerentes às condições desiguais de vida.

A taxa de internação de pessoas negras no Recife, por doenças de veiculação hídrica e arboviroses, é quatro vezes superior à internação da população branca, majoritariamente instalada em bairros estruturados. Para a urbanista Raquel Ludermir, “o direito à moradia precisa estar no centro do debate climático - sem moradia digna, a população mais vulnerabilizada segue sendo empurrada para áreas de risco”. Quanto mais as políticas de habitação com infraestrutura adequada forem desenvolvidas para atender a quem mora mal na capital pernambucana, menos serão os riscos dos impactos das mudanças climáticas nessas populações.

Após tantas décadas sem o cuidado merecido por parte das autoridades, as favelas e comunidades do Recife podem voltar a ser focos de interesse de gestores públicos, a partir dos investimentos demandados pela crise climática. A infraestrutura que é um direito coletivo poderia não ter esperado até agora para ser tratada como agravante do risco da moradia inadequada. Assim como a constatação das desigualdades, cujo diagnóstico jamais precisou de mudança climática para ser feito no Recife.

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