Editorial | Notícia

Das motos aos hospitais

A escalada de sinistros envolvendo condutores e passageiros de motos é resultante, dentre outros fatores, do desmantelo do transporte público

Por JC Publicado em 29/09/2025 às 0:00

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Está custando cada vez mais caro à saúde dos brasileiros, a proliferação do uso de motocicletas como transporte de massa, em fragmentação que ilude os usuários e põe muita gente em risco. Se a quantidade de motos nas ruas explodiu, exigindo cuidados redobrados por todos que circulam no trânsito que já era difícil sem elas, é do lado de fora das vias percorridas com pressa e insegurança que se vê a dimensão dos estragos gerados pela substituição do transporte coletivo pela mobilidade na garupa de duas rodas.
Estudo realizado em hospitais do país pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), em parceria com o Instituto Informa, estima um prejuízo anual de R$ 300 bilhões, em todo o território nacional, causado por sinistros com motos. Foram pesquisadas unidades hospitalares públicas, particulares e filantrópicas. A Confederação Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) admitiu que a situação em descontrole representa um alerta que não pode mais ser ignorado. A sobrecarga no Sistema Único de Saúde (SUS) é inegável, e é preciso fazer alguma coisa para se evitar que a mobilidade continue se impondo cada vez mais como um problema crítico de saúde pública.
Dois terços dos 360 casos de traumas recebidos, em média, por mês, por cada hospital pesquisado, correspondem a sinistros de trânsito com motocicletas. Os hospitais lotam, as demandas atrasam e os recursos disponíveis não são suficientes para dar conta desse grau de necessidade. Metade dos cancelamentos de cirurgias eletivas se dá devido à ocupação de vagas por vítimas de sinistros de moto. É como se fosse uma espécie de pandemia, em menor escala, mas não desprezível, para o SUS. A maioria das vítimas possui de 15 a 29 anos, com muitas precisando de atendimento por meses a fio, e tendo sequelas graves.
“Há um efeito cascata que compromete todo o sistema de saúde, por isso a importância de lançar uma campanha em âmbito nacional, para mobilizar a sociedade, educar condutores e cobrar políticas públicas mais eficazes para um trânsito mais seguro”, justifica o presidente da SBOT, Paulo Lobo. A entidade está lançando a campanha “Na moto não mate, não morra” com esses propósitos. A conscientização de condutores e da população usuária é crucial, mas a questão é também estrutural: a demanda pública por mobilidade com eficiência não vem sendo atendida.
Na Região Metropolitana do Recife, as queixas constantes a respeito dos sistemas de ônibus e do metrô sucateado indicam motivos suficientes para a corrida aos aplicativos de motos – que aproveitam a oportunidade de mercado pela omissão dos governantes. É assim em grande parte do país. A regulamentação desse tipo de transporte, com maiores exigências de segurança, é um passo imprescindível para aliviar a pressão na saúde pública. Mas apesar de necessária, a medida, mesmo acompanhada de fiscalização, não basta. Ou os governos voltam a priorizar o transporte público, ou o fenômeno tende a aumentar, pondo muito mais passageiros e condutores em risco.

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