Editorial | Notícia

Desigualdade como lição

Muitas escolas da rede pública no Brasil não oferecem condições elementares, como água, energia, banheiro e cozinha para profissionais e estudantes

Por JC Publicado em 28/09/2025 às 0:00

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Seria difícil imaginar que, num país com tantas disparidades regionais, o cotidiano na educação básica fosse similar, com semelhantes condições estruturais para estudantes, professores e demais profissionais, em qualquer parte do Brasil. Mas o que o Anuário Brasileiro da Educação Básica revela, em sua edição 2025, é que a desigualdade também segue sendo componente perpetuador da desigualdade, até nas salas de aula. Eis a primeira lição, provavelmente compreendida logo cedo por crianças e adolescentes: na escola falta muita coisa, e para a educação melhorar, formar cidadãos ciosos de seus direitos e deveres, as unidades escolares demandam conquistas estruturais para começarem a cuidar da educação, a partir de um patamar de dignidade.
Menos da metade das escolas públicas do país possuem rede de esgoto – pouco mais da metade, 57%, apresentam rede de esgoto. Acima de 20%, em média, no território nacional, não dispõem de coleta de lixo. A climatização ocorre em menos de 40% delas – percentual que sobe para 42% em solo pernambucano. E quase 5%, no país, não contam com qualquer tipo de conexão, ou sequer energia para ligar os equipamentos disponibilizados. Laboratórios de ciências e de informática, além de quadras esportivas, são outros itens estruturais em falta em várias escolas, sobretudo no ensino fundamental.
Os dados do Anuário, elaborado pelo movimento Todos Pela Educação em parceria com a Fundação Santillana e a Editora Moderna, decerto reproduzem a realidade na qual as escolas estão inseridas. Mas a indiferenciação do pano de fundo ressalta um problema de continuidade que já deveria ter sido alvo de políticas públicas duradouras, há muito tempo. Se as escolas não exibem distinção em relação ao lado de fora, e podem reproduzir, para alunas e alunos, o que seus pais não gostariam de ver reproduzido – as dificuldades vivenciadas em casa, na rua, na comunidade – é porque não foi dada prioridade à educação no investimento estrutural.
E assim, instaladas na areia movediça da desigualdade, as unidades escolares fazem bem menos do que poderiam fazer para a transformação social que, em última instância, são construídas. Porque não dá para desvincular a infraestrutura ausente, na entrada, dos resultados insatisfatórios, na saída, depois de anos de frequência. Essa ausência está “diretamente ligada às condições de aprendizagem dos estudantes”, recorda Gabriel Corrêa, diretor de Políticas Públicas do Todos Pela Educação. Pouco mais de um terço dos estudantes que saem dos anos iniciais do fundamental aos 12 anos, exibem aprendizagem adequada em português e matemática. Nos anos finais, até os 16 anos, o nível ideal de aprendizado dessas disciplinas não chega a 17%.
O planejamento de políticas públicas para a melhoria do aprendizado, em todos os níveis de governo, precisa levar em conta, além das questões referentes às condições de aula, aquelas que concernem à estrutura da escola. Sem a compreensão abrangente da desigualdade instalada, o ensino continuará defasado por fatores alheios à educação, mas que a prejudicam em sua aplicação diária.

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