Divergência é bom sinal
Declaração de voto do ministro Luiz Fux mostrou que o Supremo Tribunal Federal não é uma corte monolítica – e que faz parte da democracia
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Em uma nação democrática, o surgimento de diferenças de interpretação, pensamento e opinião deve ser compreendido como parte da vida comum, pois é do confronto de ideias em discursos divergentes que o consenso salta. Ou ainda, é desse mesmo cenário plural que a maioria é respeitada – sobretudo nos poderes em que a construção de uma maioria é necessária, o Legislativo e o Judiciário. E vem a ser no mosaico de olhares distintos que a democracia se diferencia dos regimes totalitários, nos quais o medo e o cerceamento da liberdade de expressão criam juízos monolíticos à serventia dos ditadores estabelecidos.
O julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus acusados de tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes que têm como referência o ataque vândalo às sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, tal julgamento transforma-se em evidência de vitalidade democrática com o aparecimento inconteste de divergências entre os integrantes da Suprema Corte nacional. Se o espanto com o nível da discordância do ministro Luiz Fux do relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, não deixa de ser igualmente parte de um cenário democrático, vale recordar que não foi a primeira manifestação de visões diferentes no caso, se recordarmos o voto do ministro Flávio Dino, em relação à participação dos réus.
Não foi a primeira, e possivelmente não terá sido a última divergência, no processo previsto para ser concluído nesta sexta-feira, pela turma composta por cinco integrantes do STF. Muito antes de apontarem a condenação ou a absolvição dos acusados, os pontos de vista se afastam em questões que vão da competência do tribunal e da turma para julgar o caso, até a conceituação dos crimes destacados como tendo sido cometidos, a partir da análise da Procuradoria Geral da República e do ministro Alexandre de Moraes. Portanto, longe de configurar um tribunal viciado em um único prisma, ou submetido ao arbítrio totalitário como instrumento de poder, o STF brasileiro dá provas de atuar com liberdade e autonomia.
O mérito, os ritos, os caminhos até os veredictos de cada um dos juízes do Supremo ainda irão render múltiplas análises, após o desfecho do julgamento que se desenrola como um teste para a resistência democrática no Brasil e no mundo. A atenção do planeta está no Brasil, num momento de radicalizações que se estendem por vários países, gerando arroubos autoritários, protestos e atentados. É importante que a atenção dos cidadãos brasileiros se volte para o STF, sem o caráter exclusivo de torcida de jogo de futebol, comum às plateias políticas. A demonstração de vozes destoantes é um exemplo de funcionamento pleno das instituições, que precisa ser valorizado como um bom sinal da democracia.