Desunir é o que interessa
Enquanto parte do governo ainda hesita em entrar na campanha, o presidente da República embarca de vez no discurso do "nós contra eles"

Se há cerca de quatro anos o importante era conquistar eleitores assustados com a perspectiva de um governo autoritário no Brasil, e o apelo consolidado no segundo turno conquistou até partidos de centro, como o rival histórico PSDB, o maior líder do PT parece olhar a campanha do ano que vem sob a mesma perspectiva que tantos males vem causando ao país. O divisionismo pregado e alimentado por Lula, nas últimas décadas, contribuiu para levar a uma polarização que empobreceu a representatividade política, retirou a relevância dos partidos de centro e abalou os alicerces da confiança popular na democracia.
Difícil saber se a queda de popularidade tem grande influência no comportamento de um presidente da República que aproveita a rejeição de uma medida de alta de impostos – impopular, diga-se de passagem – no Congresso, para retomar o seu discurso preferido e alinhar o mote que deve seguir até as eleições de 2026. Quando, tudo indica, tentará renovar o mandato para permanecer no poder por mais quatro anos, o que lhe conduziria a 16 anos no Planalto, em dois períodos de oito anos, intercalados pelos governos Dilma Rousseff e Michel Temer. É difícil saber porque, mesmo se a popularidade estivesse alta, o provável é que Lula adotasse o lema que extravasa agora, e jamais abandonou.
O cinismo da defesa da “taxação dos super ricos” em um momento de confronto direto com o Congresso, à espera da cavalaria do Supremo Tribunal Federal (STF), como fez o presidente da República ao empunhar, sorridente, um cartaz, trata-se de ato calculado, apesar do improviso também ser característico das falas e atitudes de Lula. A pregação da desunião que opõe ricos e pobres volta ao primeiro plano como se houvesse desenvolvimento sem riqueza, e privilégio sem um governo condescendente com a desigualdade e a corrupção, como têm sido os do PT. Sem conter despesas de um ministério inflado para abrigar amigos e aliados, especialmente do Congresso, o presidente não enxerga o risco do desequilíbrio fiscal, que pode inviabilizar o seu próprio governo ainda no próximo ano, deixando para o mandato seguinte uma conta alta de ingovernabilidade.
Enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, elogia deputados e senadores, agradecendo suas contribuições ao governo, e o da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, pede conciliação para se superar a crise do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Lula se veste de manifestante pela taxação dos super ricos – que podem e devem ser taxados numa nação tão desigual. Mas o primeiro a se portar como super rico é o governo petista, e seu presidente, que não admite rever um modelo de gestão pública baseado em conceitos ultrapassados e práticas viciadas – que estimularam a desigualdade econômica, a radicalização política e a multiplicação dos corruptos de quase todas as correntes ideológicas nas últimas décadas.
Do ponto de vista estratégico, para quem só tem a vontade de poder na cabeça, faz sentido impulsionar a desunião para ampliar a polarização, almejando chegar ao segundo turno presidencial em condições similares às da eleição passada. O problema é repetir a história, como se diz, sem forjar uma farsa.