Reação contra golpistas
Em movimento institucional que demonstra a atenção necessária ao risco do extremismo ameaçando a democracia, a Alemanha dá o exemplo

Talvez seja graças à facilidade da comunicação, ou em face de uma crise da representação democrática em várias partes do mundo. O fato é que o sinal dos tempos traz, em nossa época, no encerramento do primeiro quarto do século 21, a organização de grupos de extrema direita que se valem da política tradicional para negar a democracia e rechaçar os próprios meios políticos utilizados para conquistar seguidores e almejar o poder. Tal degeneração política não é novidade, sobretudo na Europa, e particularmente na Alemanha, onde os temores de radicalização recordam sombras de um passado que deixaram marcas no país, no continente e no mundo.
O mentor de uma facção conhecida como KRD, ou Reino da Alemanha, foi preso, junto com outros integrantes, por tentativa de formação de um Estado paralelo. A facção é apenas um pedaço do movimento “Cidadãos do Reich” que não reconhece o Estado democrático em sua legitimidade. De acordo com o governo alemão, que anunciou a prisão, o KRD possui 6 mil membros, unidos pelo antissemitismo e organizados em torno do crime. Estima-se que os Cidadãos do Reich tenham pelo menos 25 mil seguidores, com cerca de 40 facções formadas, em parte, por indivíduos com histórico de violência. Para o ministro do Interior, Alexander Dobrindt, a ordem democrática livre não pode correr o risco da existência desses grupos, por isso o governo prega o seu banimento. Uma reação proporcional, e preventiva, ao extremismo que ganha adeptos como uma seita política cujo objetivo é desmantelas as instituições democráticas e se instalar no poder – em outras palavras, pregando um golpe à democracia.
O discurso não é estranho a populações em várias partes do planeta, inclusive no Brasil. Ou mesmo nos Estados Unidos, onde um presidente eleito, em pouco tempo de mandato, está desarrumando os pressupostos da democracia liberal norte-americana, cerceando a liberdade individual e de expressão, estimulando a xenofobia e posando de imperador do mundo – ou de Papa, na brincadeira mais sem graça realizada com a ajuda da Inteligência Artificial, antes da escolha de Leão XIV. O sinal do tempos presente na civilização contemporânea faz uso de instrumentos democráticos – como a tecnologia de comunicação – para negar o valor da democracia, e insuflar um clima nostálgico a favor do poder absoluto, violento, obscurantista.
O problema se amplia com o apoio popular. Na Alemanha, a segunda maior bancada no parlamento nacional é de um partido de extrema direita. O patriotismo e o revisionismo histórico, além de teorias conspiratórias que escolhem inimigos e justificam práticas de ódio e planos de guerra, não são exclusividades dos alemães. Para que a democracia se fortaleça, a cidadania precisa ser defendida, antes que a conquista do poder legitimado pelas urnas venha a fechar as urnas nas eleições seguintes – em qualquer lugar do planeta. E a política, ser valorizada por democratas que compreendam a gravidade do nosso tempo, se ficarmos à mercê de grupos fanáticos para os quais o culto à força e ao ódio é a única lei.