À vontade com ditadores
Visita oficial à ditadura de Putin pelo presidente brasileiro que se elegeu como defensor da democracia é, no mínimo, estranha e preocupante

O risco autoritário não foi um fator secundário para a vitória – por pequena margem – de Lula sobre Jair Bolsonaro nas últimas eleições presidenciais. Movimentos de fora da política partidária, além de uma aliança coesa no segundo turno por causa da ameaça anunciada à democracia, favoreceram a volta do PT ao poder e impediram a reeleição de Bolsonaro. Mesmo sendo histórica e conhecida a relação dos petistas com líderes autocráticos, a preocupação com o radicalismo bolsonarista cristalizou a intenção de votos de uma fatia do eleitorado que não se identificava nem com um, nem com o outro, mas preferiu majoritariamente escolher o discurso da normalidade democrática.
É, portanto, com pesar e desconfiança que muitos cidadãos que votaram em Lula constatam a desenvoltura do atual ocupante do Palácio do Planalto em sua visita ao Kremlin, recepcionado pelo ditador russo Vladimir Putin e aos abraços e risos com outros ditadores, convidados para um evento de cunho ufanista, típico dos regimes de exceção. Chega a ser vergonhoso o comentário de que o tarifaço imposto por Donald Trump – outro que flerta com o autoritarismo – é fruto de decisões unilaterais que vão contra o livre comércio e o multilateralismo. Falar de unilateralismo em comunhão a ditadores é um vexame indisfarçável, que só não mancha a biografia de quem já traz histórico de aliados e amigos autocratas,
Para piorar, o cenário do desfile bélico na Praça Vermelha destaca a prioridade de Putin nas relações internacionais, bem conhecida do mundo após mais de três anos devastando a Ucrânia e se armando para os conflitos que aparecerem. Resta saber se o presidente Lula aproveitou a viagem para oferecer armamentos brasileiros, ou o inverso, se deseja trazer a tecnologia de guerra russa para cá. Junto a Lula, entre os convidados, apenas outros dois latino-americanos: os ditadores de Cuba, Miguel Diaz-Canel, e da Venezuela, Nicolas Maduro. Nenhum líder democrático ocidental compareceu, além do brasileiro.
Para completar a festa da incoerência, Lula teria dito ao ditador russo que “o mundo precisa de política, e não de guerra”. Imagine-se o sorriso de Putin ao escutar o apelo que só faz sentido em território democrático. A não ser que a política a que o presidente brasileiro se refere não seja a praticada na democracia – e sim onde a violência é mais comum do que a palavra, e a guerra é a forma apreciada de persuasão, como deixa claro a invasão da Ucrânia pelo exército russo.
Solidário a Vladimir Putin ao atender ao convite para a cerimônia ditatorial que vem sendo utilizada como propaganda nacionalista em peça contra a Ucrânia, Lula cria um mal-estar diplomático com a Europa, que teme o expansionismo da Rússia. Líder de um partido que sempre condenou o imperialismo norte-americano, o presidente do Brasil não se importa de ser visto como simpatizante do imperialismo russo.