A OMC em xeque
Relevância da Organização Mundial do Comércio entra em questão para que seja possível reorganizar e dar sustentabilidade à economia global

Diante da desordem lançada pelo tarifaço dos Estados Unidos, em suspensão após as respostas da China na mesma moeda – ou seja, sobretaxas de volta aos norte-americanos – o mundo se volta para os mecanismos institucionais criados para conferir estabilidade ao sistema econômico. E evitar turbulências que afetem não apenas a economia, mas a política e a própria democracia. É aí que os olhares do planeta buscam, neste momento, a Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade pode estar em xeque por causa dos humores – ou maquiavelismo – de Donald Trump: espera-se da OMC e dos países que depositam nela confiança e recursos, alguma ação protetiva, para que o incendiário da Casa Branca não alastre o fogo da discórdia na praça global, deixando cinzas em diversos mercados, mesmo que beneficiando indiretamente outros.
Se o presidente dos EUA não tem freios que reafirmem os valores democráticos em seu próprio país, a partir do Capitólio ou da Suprema Corte, o resto do mundo precisa aprimorar suas defesas institucionais. Nem a China, nem a Rússia, outras potências econômicas, dirigidas por governos não democráticos, jamais ameaçaram tanto a economia global quanto o tarifaço de Trump de agora. Se recuperar a capacidade de manter a previsibilidade em meio a dias de tensão e gangorra nas bolsas, a OMC pode cumprir o papel de local de diálogo, reduzindo conflitos. E mais: protegendo as nações em desenvolvimento, estimulando a transparência nas relações e barrando excessos regulatórios que ultrapassam os limites da democracia.
Nesse aspecto, a OMC ficaria bandeiras de confiabilidade num território tumultuado, amortecendo os ânimos e prevenindo o escalonamento da instabilidade econômica em crise política – com o agravante das maiores potências comerciais em franca disputa. A cooperação entre os países parece dividir a economia da política, quando o pragmatismo não faz questão de enxergar problemas na relação comercial de países democráticos com as ditaduras – ao menos parcialmente. Mas é de uma conjuntura econômica tumultuada que podem surgir conflitos maiores, gerados ou ampliados por disputas comerciais.
Trinta anos após sua fundação, a OMC pede uma reforma que alargue seus instrumentos de regulação, para inibir a ação de políticas deletérias das relações internacionais. Conquistar o consenso de 166 países – o tamanho da Organização Mundial do Comércio – não é fácil, mas é imperativo traçar um rumo de reestruturação, em decorrência dos drones tarifários atirados da Casa Branca para todos os lados. Apesar de não basear a gestão em alicerces democráticos, até a China assinou um manifesto em defesa da OMC, ao lado de países como o Reino Unido e o Canadá, em defesa de um sistema de comércio “livre, justo e baseado em regras”. A detonação das regras em nome de uma reciprocidade genérica, e de uma liberdade para dentro que afronta os direitos de expressão dos cidadãos norte-americanos, tornam Donald Trump, apenas em início de mandato, na maior preocupação que o capitalismo já teve – como um mal autodestrutivo nascido das entranhas da globalização.