Artigo | Notícia

Capiba tinha razão

Gato escaldado faz como o velho Capiba. Não somente o tapa dói. A injustiça chega a ser dor ainda mais inesquecível..................

Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire Publicado em 09/12/2025 às 0:00 | Atualizado em 09/12/2025 às 9:35

Clique aqui e escute a matéria

Na sua marchinha de 1963 "Madeira que cupim não rói", Capiba, compositor prata da casa pernambucana de saudosa memória, cunhou uma lição atemporal, notadamente quando compôs a seguinte estrofe: "E se aqui estamos, cantando esta canção/Viemos defender a nossa tradição/E dizer bem alto que a injustiça dói/Nós somos madeira de lei que cupim não rói".

Aí reside, sem dúvidas, uma das mais cortantes verdades da humanidade, sendo rara a pessoa que já não passou por situação de injustiça ou conhece quem já a enfrentou. Se amante da boa música-raiz, tende a ser ainda mais calejada esta pessoa e a experimentar na alma a certeza de que mestre Capiba sabia o que estava transmitindo na sua música.

Talvez um dos ambientes em que a danada da injustiça mais se exacerba, é o do cinema e da sua principal premiação, o Oscar. Os exemplos chegam a ser autoexplicativos. Vejamos alguns deles.

Começando por "Cidadão Kane", de Orson Wells. O ano era 1942. Tudo apontava para a produção de Wells como vitoriosa das principais estatuetas. Indicado a nove premiações, levou, no entanto, apenas uma: a de Melhor Roteiro Original. O prêmio de Melhor Filme acabou com a produção "Como Era Verde o Meu Vale", drama histórico convencional.

Agora, década de 80. Em cena a formidável Whoopi Goldberg. Uma das mais reconhecidas atrizes de comédia de Hollywood, seu talento dramático sobrelevou em "A Cor Púrpura", ponto alto da carreira de Steven Spielberg. O filme disputou o Oscar em dez categorias, incluindo Melhor Filme. Saiu da cerimônia a ver navios.

Recorte para 1998. Todos torcendo pela vitória de "Central do Brasil", de Walter Salles, indicado a Melhor Filme Estrangeiro e a Melhor Atriz com a dama dos palcos Fernanda Montenegro. Perdeu para o italiano "A Vida é Bela". Quem tem boa memória, lembra. Testemunhar Fernanda Montenegro (patrimônio das artes nacionais) ser desbancada por Gwyneth Paltrow (em papel de heroína romântica), no raso "Shakespeare Apaixonado", foi uma injustiça que demorou a ser digerida.

Mudo o panorama. Agora exemplificando a tese com o sistema judicial. Nele também não faltam casos de injustiça; ao contrário, eles transbordam. Entre os episódios, destaca-se o dos Irmãos Naves se galvanizou na crônica do consciente coletivo. Em 1937, Benedito Pereira Caetano (a "vítima") e seus primos Joaquim Naves e Sebastião Naves (os réus) eram sócios de um negócio de grãos na cidade de Araguari/MG e após negociar uma grande quantidade de arroz e receber significativa quantidade de dinheiro, Benedito sumiu. No ano seguinte, começaram as suspeitas de que Benedito havia sido morto. Os irmãos Naves são presos como suspeitos.

Torturados (era o período da ditadura Vargas), os irmãos "confessam" ter assassinado Benedito. Além dos irmãos, familiares deles também foram

torturados. A tempestade perfeita estava formada: uma "confissão" (como visto, isolada), não havia corpo, não se localizou o dinheiro, nem se encontrou o caminhão conduzido pela vítima quando do seu sumiço. Os irmãos foram a julgamento pelo Tribunal do Júri e restaram absolvidos. A Justiça determinou que se realizasse novo julgamento. De novo os irmãos foram absolvidos. Como a legislação não previa a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, em novo recuso os irmãos foram condenados ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 25 anos e 06 meses. Após cumprirem oito anos de prisão, foram beneficiados com a liberdade condicional. Em 1948 morreu de causas naturais Joaquim Naves. Em 1952, Sebastião Naves encontrou Benedito vivo e o convenceu a voltar para Araguari a fim de provar a inocência dos irmãos.

Benedito foi preso. Só em 1953, depois da morte de Joaquim (que não resistiu a tantas sevícias), o Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgou a revisão criminal e declarou os irmãos Naves inocentes. A desculpa de Benedito: sabia que devia para várias pessoas e não sabia o que fazer, então, a saída mais fácil que o mentiroso encontrou foi fugir. Sebastião amargou quase 15 anos de cárcere, mas perdoou o primo traíra.

Portanto, e de novo, invocando a sabedoria popular, se conclui: gato escaldado faz como o velho Capiba. Não somente o tapa dói. A injustiça chega a ser dor ainda mais inesquecível.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

Leia também

Nenhuma notícia disponível no momento.

Compartilhe

Tags