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Do frisson à desistência: o breve sonho do Enem

Em vez da universidade interdisciplinar e diversificada com a qual os alunos sonham, o que encontram é a velha universidade fechada em "caixinhas"

Por MOZART NEVES RAMOS Publicado em 24/11/2025 às 0:00 | Atualizado em 24/11/2025 às 11:51

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Para quem trabalha com educação, é muito gratificante ver o frisson causado pelo Enem. Foi o que vimos nos dois últimos domingos - 9 e 16 de novembro. A partir das 11h, já começa um movimento atípico em torno dos locais de prova; é um corre-corre de alunos misturado com buzinas de carros amontoados - com pais aflitos para deixar seus filhos no local de prova. Não tenho mais filhos nessa fase - mas já fiz parte desse grupo. No domingo, 16, fiquei preso num engarrafamento próximo a um desses locais. Ao contrário de outras ocasiões em que isso ocorria, dessa vez estava feliz. Afinal, enquanto tivermos isso, significa que os jovens ainda estão buscando não só ingressar no Ensino Superior, mas que estão optando pela educação como porta de entrada ao seu sucesso futuro, tanto pessoal como profissional. Isso reforça nossa esperança num futuro melhor.

Na semana que antecede a esse movimento atípico, são os colégios que motivam os pais a mandar cartas de encorajamento e de confiança aos seus filhos. Tudo isso faz parte da firme expectativa de concretizar um velho sonho: o de ingressar na universidade. O tempo passa, mas a atmosfera é a mesma - muda-se apenas o nome, do antes "vestibular" para Enem. Mas quanto tempo dura esse sonho?

Agora vem a parte que precisamos compreender, a começar de por que, de cada 100 jovens que ingressam no Ensino Superior, 59 desistem de completar o curso - e quase 50% disso ocorre nos dois primeiros anos de universidade! Imaginem se isso se desse em um hospital em que, de cada 100 pacientes, apenas 41 sobrevivessem - uma analogia dura, reconheço, mas necessária. Alguém menos desavisado pode pensar que certamente essa desistência vem maciçamente dos cursos a distância - em geral de baixa qualidade, como a larga maioria pensa, e com alguma razão. Ledo engano: essa taxa de desistência é literalmente a mesma, tanto nos cursos presenciais quanto nos cursos a distância. Esse mesmo alguém vai além, e pensa: certamente isso ocorre no Ensino Superior privado. Mais um engano. É praticamente a mesma taxa, tanto no ensino público como no particular.

Mas então, para onde foi o sonho dos nossos jovens? Essa é a pergunta que precisamos fazer e para a qual buscamos resposta. Primeiro, é preciso reconhecer que a causa não é única, mas multifacetada. Parte dessa alta taxa de desistência está majoritariamente vinculada a dois fatores: esse não é o curso que os alunos buscavam - querem outra coisa; de outra parte, esse é o curso que queríamos, mas para o qual não estamos devidamente preparados - o que se reflete nas primeiras reprovações e decepções. São os déficits de aprendizagem que boa parte dos alunos trazem consigo do Ensino Médio.

Para termos uma ideia do tamanho desse último problema, quase 50% dos jovens que estão fazendo Pedagogia, que serão os futuros professores, em nosso país não alcançaram o mínimo de pontos no Enem para obter um certificado de conclusão do Ensino Médio - ou seja, não alcançaram 450 pontos -, mas, apesar disso, ingressaram no Ensino Superior. Mas como? Essa é uma boa pergunta para o Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE).

Mas há outro fator que não é menos importante que esses dois: é a desilusão com a própria universidade. Os jovens pensam que vão se deparar com uma coisa e encontram outra. Em vez da universidade interdisciplinar e diversificada com a qual os alunos sonham, o que encontram é a velha universidade fechada em "caixinhas" - dos pré e correquisitos -, cada uma delas com nome e CPF.

Pode ser que eu esteja enganado em minha análise, mas creio que não, pois tenho conversado bastante com os estudantes deste Brasil afora. Infelizmente, as 59 desistências são reais - dados do próprio Ministério da Educação, mais precisamente, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Tudo isso nos faz lembrar da Esfinge de Tebas: "Decifra-me ou te devoro".

Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto.

 

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