No contexto etimológico das palavras
Devamos ser verdadeiros com o uso das palavras e nos discursos da verdade. Etimologicamente e na vida................................

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Há um termo sinônimo alemão para a palavra "respeito" ("Respeckt"). É o termo "Rücksicht", composto por "Sicht" (vista, visão) e por "Rück", (literalmente, "de volta"), implicando dizer que o "respeito" importa um olhar para trás ("Zurückblicken"), ou um olhar de volta, o que pressupõe o devido reconhecimento da pessoa, por si e por sua história de vida. Esse olhar retrospectivo, pelo que perscruta o que houve de bom na vida pessoal de alguém, autoriza e determina-lhe o respeito. Indica-se, em contrário, à pessoa que se houve com malefícios, não merecer ou exigir o respeito. É o que acontece na vida, para além da etimologia.
Uma mesma razão ontológica orienta o vocábulo "decorar", que significa trazer para o coração. É algo que fica presente e guardado na memória do coração. Embora a raiz da palavra não venha de "cor, cordis" (coração), e sim de "decus", (honra, ornamento, beleza) decorrendo, do latim "decorare", significando adornar, embelezar, honrar, certo é que, embora não correspondendo à etimologia literal da palavra, decoramos o que a sensibilidade orienta dever ser bem guardado. É uma interpretação poética e pedagógica, bastante usada em contextos filosóficos. Melhor sucede com o vocábulo "recordar", este, sim, com sua base etimológica, vindo de re- cordis ("trazer de volta ao coração").
A raiz latina "cordis" (que significa "coração") deu origem a diversas palavras no português (e em outros idiomas). Essas palavras carregam, de forma literal ou simbólica, a ideia de emoção, sentimento, vontade ou de essência.
Vejamos exemplos mais destacados: (i) Cordial (cordialis), que vem do coração, pessoa calorosa e gentil; (ii) Acordar (ad cordis): voltar ao coração, despertar; (iii) Concórdia (com cordis), significa a harmonia, por união de corações; o que leva pela mesma raiz, ao significado de Concordar (estar de acordo); (iv) Discórdia (dis cordis), ao revés, implica ter corações separados, pelo desacordo ou conflito; o que conduz ao Desacordo (dis accordare), como desentendimento (forma posterior de discórdia).
A palavra da raiz latina "cordis" que, a meu sentir, melhor representa, é a do vocábulo "misericórdia" ("misera cordis"), expondo a compaixão que vem do coração pela miséria alheia. Pessoas que tem pena no coração são, por isso mesmo, piedosas ("miser cordis"), e nessa consequência, misericordiosas.
Por falar em "qualidade do ser", a exemplo da pessoa misericórdia, cumpre referir que o que é, o ser de algo, a sua natureza própria, vem do vocábulo "essência". A palavra "essência" tem uma origem etimológica profunda, ligada à filosofia, à metafísica e ao conceito do que algo é, em sua natureza mais fundamental.
Na filosofia (Aristóteles e depois em Tomás de Aquino), essência é aquilo que define a natureza de um ser, independentemente de suas características pessoais (acidentais). Muitos filósofos exploraram profundamente a natureza do Ser, como Parmênides, que o definiu como a única realidade pensável; Sócrates, que focou no "conhece-te a ti mesmo" e a essência humana através da razão; Platão, que propôs um dualismo entre alma (perfeita) e corpo (imperfeito); e mais recentemente, Martin Heidegger, que abordou a busca por um autêntico "eu", reintroduzindo uma reflexão ontológica focada na compreensão do ser a partir do ser humano. Ou seja, o que podemos ser, essencialmente.
Em seu desdobramento etimológico, "esse" (latim) significando ser, existir e "entia", no sufixo latino de significado do estado ou qualidade de ser. Surgem, daí, em conexão, as palavras relacionadas: "essencial", como algo que é indispensável, e "existência", como ato de estar presente no ser.
Diante dos 6.912 idiomas falados atualmente no mundo, ao explorarmos a etimologia das palavras, é possível descobrir como elas evoluem, se adaptam ao longo do tempo e refletem a história e a cultura de um povo. Mas, apenas, oito vieram do latim. Diz-nos Denise Barone que tendo os romanos desembarcado em Portugal (ano 218 a.C), os povos da Provincia, com exclusão dos bascos, adotam o latim como língua, no ocidente peninsular. A conquista romana na Península Ibérica legou ao país que veio a se tornar Portugal, o latim, a base do idioma português. De efeito, a maioria das palavras da língua portuguesa são provenientes do latim vulgar, ou seja, o latim falado pelo povo, introduzido pelos soldados romanos. Mais tarde, os letrados, escritores e cientistas, introduziram na língua o latim erudito.
É inegável a herança clássica grego-latina, presente em toda a civilização ocidental, exercendo a sua influência. Não custa lembrar que a palavra "etimologia", como a parte da linguística que busca compreender a origem e a história das palavras, vem do grego "étumos" (real, verdadeiro) e "logos" (estudo, descrição, relato). A etimologia de uma palavra é a sua história, mas nem sempre seu significado. Etimologia e significado podem divergir, em situações bem interessantes, a exemplo da palavra inglesa "nice" ("agradável"), que deriva do latim "nescius", na origem significando "ignorante", evoluindo, positivamente, o seu sentido; ou de "terrível", antes "cheio de admiração" e alterado, negativamente, para "ruim" ou "desagradável".
Afinal, a palavra "verdade" (do latim "veritas"), deriva de "vrus" (verdadeiro, real) e tem raízes no Indo-Europeu "wros", termo enquanto representação imaterial da palavra significando "merecedor de confiança". Do hebraico, o termo "emunah" carrega a verdade com o seu significado "mais próximo da ideia de confiança num Deus ou num amigo que cumpre o que promete". Aliás, a origem da palavra "emunah" é a mesma que a palavra "amém", ("assim seja".)
Pois bem. Devamos ser verdadeiros com o uso das palavras e nos discursos da verdade. Etimologicamente e na vida.
Jones Figueirêdo Alves, desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista