Eduardo Jorge da Fonseca Lima: Vacinação em Crise: modelo dos "5 Cs"
A recuperação das nossas altas coberturas vacinais é desafio urgente que combina facilitar o acesso, garantir a logística e restaurar a credibilidade.

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Uma alerta pisca incessantemente: a queda drástica nas taxas de vacinação infantil. O Brasil mergulhou no que especialistas chamam de "tempestade perfeita", uma crise multifacetada que ameaça trazer de volta doenças que considerávamos controladas ou até mesmo eliminadas. A situação é resultado de uma combinação perigosa de fatores que ocorreram simultaneamente, minando a confiança e o acesso a um dos maiores patrimônios da nossa saúde: o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Este não é um problema exclusivo nosso; é uma crise global que a OMS e o UNICEF acompanham com máxima preocupação.
O principal vilão deste cenário é, sem dúvida, a desinformação. Uma avalanche de notícias falsas e teorias conspiratórias, disseminadas de forma viral pelas redes sociais, atacou o coração do PNI. Mentiras que associam vacinas a doenças, a ingredientes perigosos ou a uma suposta inutilidade bombardearam pais e cuidadores, gerando uma onda de medo e hesitação vacinal. Para entender a hesitação, especialistas usam o modelo dos "5 Cs". O primeiro, Confiança, foi o mais atingido, destruindo a crença na segurança das vacinas e no sistema de saúde. Em seguida, vem a Complacência: as vacinas foram tão eficazes que as novas gerações não conheceram o terror das doenças imunopreveníveis. Como dizemos, "as vacinas são vítimas do seu próprio sucesso". O medo da doença, que é abstrata, foi substituído pelo medo da picada. O terceiro C, Conveniência, expõe as barreiras práticas. A dificuldade de acesso e a falta pontual de vacinas criam "oportunidades perdidas" que custam caro. Por fim, a Comunicação e o Contexto social e político moldam a decisão final, onde a opinião de líderes e grupos de influência pode pesar mais que a evidência científica.
Reverter este quadro exige compreender cada uma dessas facetas para reconstruir o escudo protetor de nossas crianças. A boa notícia é que as soluções são conhecidas e práticas. Para superar a barreira da conveniência, é essencial adotar horários flexíveis, oferecendo vacinação à noite e aos finais de semana. Outra estratégia de ouro é levar a imunização para dentro das escolas. A medida facilita a vida dos pais, atinge muitas crianças de uma só vez e transforma o ambiente escolar em um polo de educação em saúde, combatendo a desinformação na raiz.
A vinculação da vacinação em dia a programas sociais, como o Bolsa Família, também se mostra uma ferramenta poderosa. Não se trata de punição, mas de um pacto onde o Estado oferece o benefício e a vacina, e a família cumpre o dever de proteger a saúde de seus filhos e de toda a comunidade. Precisamos ter uma contraofensiva forte e permanente às fake news, com comunicação clara e empática. Os profissionais de saúde são a linha de frente nessa batalha. Médicos, enfermeiros e agentes de saúde continuam sendo a fonte mais confiável de informação. Capacitá-los para um diálogo acolhedor, que ouça os medos dos pais e responda com ciência e humanidade, é o passo decisivo.
A recuperação das nossas altas coberturas vacinais é um desafio urgente que combina facilitar o acesso, garantir a logística e, acima de tudo, restaurar a credibilidade.
Eduardo Jorge da Fonseca Lima, médico; superintendente de Ensino, Pesquisa e Inovação do IMIP, presidente do Departamento de Imunização do SBP e conselheiro Federal do CFM por Pernambuco