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O juiz das Garantias: estamos esperando

Não se reduz o crime sem uma prestação jurisdicional eficiente, até porque ela sempre foi e será uma forte aliada do Estado Democrático de Direito

Por Adeildo Nunes Publicado em 07/08/2025 às 0:00 | Atualizado em 08/08/2025 às 8:29

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A persecução penal exercida pelo Estado é dividida em três fases: quando ocorre um fato aparentemente delituoso, ela é iniciada com a instauração de uma investigação criminal, com o fim de apurar a existência de um crime e os possíveis autores do delito. Esta investigação, por demais importante, é realizada pela Polícia Judiciária (Federal ou Civil dos Estados), infelizmente, sem a possibilidade da ampla defesa e sem o contraditório. Concluída a investigação, seja através de um inquérito policial ou de um termo circunstanciado de ocorrência, o procedimento administrativo vai para as mãos do representante do Ministério Público, a quem cabe exigir novas diligências, realizar o arquivamento da peça informativa ou, existindo prova de autoria certa e robusta e a comprovação da existência de um crime, deve o representante do Ministério Público oferecer uma denúncia, que recebida pelo juiz criminal, inicia-se o processo penal propriamente dito, onde o acusado tem a oportunidade de se defender das acusações e, em seguida, as provas indicadas pela acusação (Ministério Público) e pela defesa (defensor público ou privado), são colhidas e são fundamentais para o convencimento do juiz, quando da prolação da sentença, que tem o condão de absolver ou de condenar o verdadeiro autor do crime. A terceira, e última parte dessa persecução penal, é a fase da execução da pena, quando o réu é definitivamente condenado, tudo com base na prova colhida no processo criminal.

Ninguém pode ser condenado, no Brasil, sem que haja uma prova robusta e insofismável, colhida durante o processo penal, que comprove a participação do acusado no ilícito penal, seja o acusado executor ou mandante do crime. Portanto, a persecução penal estatal é desenvolvida, exclusivamente, por meio de uma investigação criminal, seguida de um processo penal conduzido por um juiz, observada a ampla defesa e o contraditório, que significa a oportunidade de contradizer os argumentos da acusação e da defesa, respectivamente. Sendo o réu considerado culpado, surge a terceira e a última fase da persecução, que é o processo de execução da pena que for fixada na sentença penal condenatória. Na fase de execução da pena, o Estado só pode exigir do condenado aquilo que faça parte da decisão condenatória. Se não o fizer, surge o excesso de execução, que deve ser, prontamente, repudiado pela autoridade judiciária.

A Magistratura Nacional e os operadores do Direito Criminal, com efeito, foram contemplados com a criação do juiz das garantias, o que se deu com a aprovação da Lei Federal nº 13.964, de 2019, que entrou em vigor em 23.01.2020, e acresceu o art. 3º, B a F, ao Código de Processo Penal de 1941. Sua função jurisdicional está expressamente definida, com a nova lei, como aquela autoridade judiciária responsável pelo controle da legalidade e pela salvaguarda dos direitos e garantias individuais, previstos na Constituição Federal, exclusivamente durante a tramitação das investigações criminais realizadas pela Polícia Judiciária. A atuação do juiz das garantias, como um novo órgão do Poder Judiciário, foi expressamente estabelecida na lei que criou o novo órgão, quando restou definida que as suas mais importantes funções são a de exercer o controle de todos os atos praticados durante as investigações criminais - exceto aqueles relativos aos crimes de menor potencialidade - cessando a sua atuação com o eventual recebimento da denúncia ou da queixa, ora oferecidas pelo Ministério Público, ora apresentadas pelo particular. Recebida a denúncia pelo juiz das garantias, finda-se a sua competência jurisdicional, pois ela é transferida para um outro magistrado, precisamente um juiz da instrução, é dizer, aquele magistrado que tem a incumbência de colher as provas lícitas e, finalmente, a missão de sentenciar, ora condenando o acusado, ora o absolvendo, tudo com base nas provas colhidas no processo.

As atribuições do juiz das garantias, com as novas disposições emanadas da Lei nº 13.964/2019, são imensamente vastas e comprovam a preocupação que os nossos legisladores tiveram com enormes preocupações, quanto a um maior controle jurisdicional durante as investigações criminais, mormente levando-se em consideração que hoje, infelizmente, o controle dos atos praticados durante a investigação é praticamente inexistente, exceto quando o defensor ou o representante do Ministério Público provocam o juiz criminal, seja por iniciativa do defensor ou do órgão acusador. Exemplificando: sem a existência de um juiz das garantias, é possível, ainda hoje, que o advogado, durante a investigação, requeira ao juiz criminal a soltura do seu paciente, ou que o Ministério Público peça ao juiz criminal a decretação da prisão preventiva de um acusado, quando a lei atribui esta competência ao juiz das garantias.

Pois bem: embora em vigor desde 23.01.2020, a Lei 13.964/2019, até hoje, não teve eficácia, uma vez que os juízes das garantias, até agora, não foram efetivamente criados e nem implementados na grande maioria do território nacional, embora a norma jurídica tenha determinado que a sua criação e o seu funcionamento deveriam ocorrer desde a data da vigência da lei.

O juiz das garantias, sem dúvida, foi uma das maiores criações do legislador brasileiro em todos os tempos, mas a sua efetivação tem sido despercebida pelos muitos que têm o dever de cumprir a lei e de aprimorar o sistema de justiça criminal no Brasil, aliás, que é costumeiramente tratada com destreza e com descrença por parte de alguns dos responsáveis pela administração da Justiça Criminal. Não se reduz o crime sem uma prestação jurisdicional eficiente, até porque ela sempre foi e será uma forte aliada do Estado Democrático de Direito, mesmo que criticada pela ideologia nefasta dos muitos extremados, que deturpam o esplendor da Constituição Federal de 1988 que é, sem exagero, um orgulho para a Democracia e para os destinos do Brasil.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, professor, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP), diretor do Núcleo de Literatura, Artes e Movimentos Culturais da Editora da OAB-PE, autor de livros jurídicos

 

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