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Quocientes eleitorais no pleito de 2026

Enquanto razão aritmética o QE tem sempre a mesma composição, mas sua funcionalidade muda em virtude das alterações na legislação.

Por MAURÍCIO COSTA ROMÃO Publicado em 29/07/2025 às 0:00 | Atualizado em 29/07/2025 às 10:18

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A transformação de votos em mandatos proporcionais nas eleições se depara sempre com o problema matemático de divisão proporcional conhecido como "partilha equilibrada": como dividir de forma justa as vagas do Parlamento entre os partidos de acordo com a proporção de votos por eles obtida?

São vários os métodos empregados para resolver essa divisão, dentro os quais o método das maiores médias, utilizado no Brasil. Para passar de votos a vagas legislativas a maioria dos métodos usa como métrica inicial a razão entre os votos totais da eleição e o número de vagas a preencher. Tal razão, o quociente eleitoral (QE), representa o "valor" de uma vaga em termos de votos, ou o montante de votos válidos necessários para os partidos conquistarem uma vaga.

Enquanto razão aritmética o QE tem sempre a mesma composição, mas sua funcionalidade muda em virtude das alterações na legislação. Antes da reforma eleitoral de 2017, por exemplo, o QE operava como barreira ou cláusula de desempenho: partidos só ascendiam ao Parlamento se o atingissem e, conseguindo esse feito, também ficavam com todas as sobras de voto (votos que sobravam dos partidos depois de computadas as vagas que lhes couberam inicialmente).

Depois da reforma de 2017 e até 2021, o QE passou de barreira para parâmetro de referência: os partidos podiam se habilitar a vagas legislativas e disputar sobras mesmo que não o tivessem alcançado. Após 2021, com a Lei 14.211/21, nova barreira foi imposta para o QE, desta feita mais branda: somente conquistariam vaga partidos que obtivessem 80% desse parâmetro, condição também imposta para a disputa de sobras, inclusive na última fase, a chamada fase da "repescagem" ou da "sobra das sobras".

Em julgado recente o STF considerou inconstitucional a aplicação das cláusulas de desempenho instituídas nessa última fase da distribuição das sobras e definiu que todos os partidos poderiam participar do rateio dessa etapa, sem nenhuma restrição.

Nessa senda, a atual transformação de votos em vagas tem o seguinte rito: na primeira etapa, as vagas são preenchidas apenas por partidos que atingem 100% do QE e os candidatos com votação de no mínimo 10% do QE. As vagas não ocupadas nesta etapa são distribuídas por sobras de voto, com base no método das maiores médias.

Na segunda etapa, as sobras são disputadas apenas pelos partidos com votação maior ou igual a 80% do QE e os candidatos com votos de no mínimo 20% do QE. Na terceira etapa, havendo vagas remanescentes, elas serão preenchidas entre todos os partidos concorrentes, sem exigências de votações mínimas para partidos e candidatos.

Impende destacar, todavia, que para 2026, conquanto as três etapas do processo de transformação de votos em vagas legislativas permaneçam com a configuração descrita acima, os QEs de alguns estados tendem a sofrer variações por conta de outra decisão de STF, a que obrigou o Congresso a adequar as bancadas federais dos estados à variação populacional ditada pelo último censo, o que implica em diminuição de vagas em 14 estados, 7 diminuindo e 7 aumentando.

Para superar a mera abstração e adentrar na realidade, tome-se o caso de Pernambuco. Imagine-se que os votos válidos permaneçam os mesmos em 2026 e que o número de parlamentares federais diminua de 25 para 24, em razão do decisum do STF (o presidente Lula vetou o aumento do número de deputados aprovado no PLP 177/23 e parece não haver clima político para a derrubada do veto).

Diante desse arcabouço hipotético, o QE em 2026 seria maior que o da eleição passada, gravitando no entorno de 207 mil votos, threshold para um partido conquistar vaga federal diretamente. Não atingindo esse QE, o partido pode disputar sobras na segunda etapa, desde que obtenha 166 mil votos (80% do QE). Se, mesmo assim, o partido não alcançar esse número, pode ainda concorrer a vagas remanescentes na repescagem, com qualquer votação.

É preciso relembrar que na primeira etapa, à exigência de 100% do QE para os partidos ganharem vaga, se adiciona o requisito de votação individual mínima de 10% desse parâmetro, in casu, 27 mil votos. Já para o partido disputando a segunda etapa, a votação individual requerida é de 20% do QE (41 mil votos).

Em que pese o trauma interinstitucional que se instala em consequência dos referidos julgados da Suprem Corte, há de se convir que o colegiado de juízes, pugnando pela inconstitucionalidade da terceira fase do atual mecanismo eleitoral, reparou as ofensas ao pluralismo político e à vontade do eleitor embutidos no regramento contestado e, também, garantiu o cumprimento do princípio constitucional da proporcionalidade entre bancadas estaduais e respectivas populações ao determinar as adequações pertinentes.

Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br

 

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