O impasse institucional e a sombra do semipresidencialismo
A pergunta que se impõe é direta e inquietante: o semipresidencialismo é a chave para a estabilidade institucional brasileira ?.........

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O debate sobre crises e impasses institucionais no Brasil não é recente. A história política brasileira registra momentos de ruptura expressivos: a queda da monarquia em 1889, o autoritarismo varguista entre 1937 e 1945, e o regime militar de 1964 a 1985. A instabilidade, nesse sentido, parece ter se consolidado como uma marca persistente da trajetória institucional brasileira.
A promulgação da Constituição de 1988, produto de um processo constituinte amplo, democrático e plural, foi concebida como um marco na reconstrução da ordem democrática. Ao ampliar direitos sociais e fortalecer mecanismos de controle como o Ministério Público, os Tribunais de Contas e o Judiciário, ela buscou consolidar uma cultura política ancorada na cidadania e na institucionalidade democrática.
No entanto, duas questões fundamentais dominaram os debates constituintes: a definição do regime de governo (presidencialismo ou parlamentarismo) e o grau de centralização do poder. Curiosamente, a maior parte do texto constitucional foi elaborada sob o pressuposto de que o Brasil adotaria o parlamentarismo. Mas, ao final, prevaleceu o presidencialismo por decisão do "Centrão".
À época, o presidente José Sarney alertou para o risco de a nova Carta impor ao Estado obrigações excessivas, especialmente no campo fiscal. Já Fernando Henrique Cardoso classificou o texto como "um congressualismo confuso", insuficientemente claro em relação às atribuições dos Poderes.
Apesar disso, os governos de FHC e Lula ocorreram em clima de relativa estabilidade, alimentando otimismo sobre a viabilidade do novo arranjo institucional. Segundo Fernando Limongi e Argelina Figueiredo, três fatores explicariam essa estabilidade: (1) o poder de agenda do Executivo, com instrumentos como medidas provisórias; (2) a capacidade de barganha via distribuição de recursos e cargos; e (3) um Congresso organizado e funcional, com liderança institucional estruturada.
Com o tempo, porém, esse modelo passou a apresentar sinais de esgotamento. A ampliação dos poderes do Supremo Tribunal Federal, sobretudo em função de omissões do Legislativo e do Executivo, transformou o Judiciário em um ator político central. Paralelamente, o Congresso avançou sobre prerrogativas do Executivo, restringindo o uso das medidas provisórias e criando as emendas impositivas. Esses fatores contribuíram para um novo desequilíbrio entre os Poderes e uma crescente tensão na governabilidade.
Neste novo cenário, ressurge o debate sobre a necessidade de reformar o sistema de governo. Entre as propostas, destaca-se o semipresidencialismo, que combina elementos do presidencialismo e do parlamentarismo. Nesse modelo, o presidente exerce o papel de chefe de Estado, enquanto o primeiro-ministro, responsável perante o parlamento, atua como chefe de governo.
Entre os potenciais benefícios do semipresidencialismo estão:
• Maior flexibilidade institucional, permitindo estabilidade presidencial com responsabilização parlamentar;
• Melhor adaptação a contextos de fragmentação partidária, favorecendo coalizões;
• Capacidade de evitar crises prolongadas, ao permitir a substituição do governo sem a quebra do mandato presidencial.
Por outro lado, o modelo também apresenta riscos:
• Conflitos entre presidente e primeiro-ministro em cenários de "coabitação", especialmente em contextos polarizados;
• Ambiguidade institucional quanto à autoridade suprema;
• Possível concentração de poder sem controles constitucionais claros.
Diante disso, a pergunta que se impõe é direta e inquietante: o semipresidencialismo é a chave para a estabilidade institucional brasileira ou apenas mais uma promessa de solução que obscurece os reais desafios do nosso sistema político?
Ernani Carvalho, professor Titular do Departamento de Ciência Política da UFPE