Artigo | Notícia

O impasse institucional e a sombra do semipresidencialismo

A pergunta que se impõe é direta e inquietante: o semipresidencialismo é a chave para a estabilidade institucional brasileira ?.........

Por Ernani Carvalho Publicado em 14/07/2025 às 0:00 | Atualizado em 14/07/2025 às 11:24

Clique aqui e escute a matéria

O debate sobre crises e impasses institucionais no Brasil não é recente. A história política brasileira registra momentos de ruptura expressivos: a queda da monarquia em 1889, o autoritarismo varguista entre 1937 e 1945, e o regime militar de 1964 a 1985. A instabilidade, nesse sentido, parece ter se consolidado como uma marca persistente da trajetória institucional brasileira.

A promulgação da Constituição de 1988, produto de um processo constituinte amplo, democrático e plural, foi concebida como um marco na reconstrução da ordem democrática. Ao ampliar direitos sociais e fortalecer mecanismos de controle como o Ministério Público, os Tribunais de Contas e o Judiciário, ela buscou consolidar uma cultura política ancorada na cidadania e na institucionalidade democrática.

No entanto, duas questões fundamentais dominaram os debates constituintes: a definição do regime de governo (presidencialismo ou parlamentarismo) e o grau de centralização do poder. Curiosamente, a maior parte do texto constitucional foi elaborada sob o pressuposto de que o Brasil adotaria o parlamentarismo. Mas, ao final, prevaleceu o presidencialismo por decisão do "Centrão".

À época, o presidente José Sarney alertou para o risco de a nova Carta impor ao Estado obrigações excessivas, especialmente no campo fiscal. Já Fernando Henrique Cardoso classificou o texto como "um congressualismo confuso", insuficientemente claro em relação às atribuições dos Poderes.

Apesar disso, os governos de FHC e Lula ocorreram em clima de relativa estabilidade, alimentando otimismo sobre a viabilidade do novo arranjo institucional. Segundo Fernando Limongi e Argelina Figueiredo, três fatores explicariam essa estabilidade: (1) o poder de agenda do Executivo, com instrumentos como medidas provisórias; (2) a capacidade de barganha via distribuição de recursos e cargos; e (3) um Congresso organizado e funcional, com liderança institucional estruturada.

Com o tempo, porém, esse modelo passou a apresentar sinais de esgotamento. A ampliação dos poderes do Supremo Tribunal Federal, sobretudo em função de omissões do Legislativo e do Executivo, transformou o Judiciário em um ator político central. Paralelamente, o Congresso avançou sobre prerrogativas do Executivo, restringindo o uso das medidas provisórias e criando as emendas impositivas. Esses fatores contribuíram para um novo desequilíbrio entre os Poderes e uma crescente tensão na governabilidade.

Neste novo cenário, ressurge o debate sobre a necessidade de reformar o sistema de governo. Entre as propostas, destaca-se o semipresidencialismo, que combina elementos do presidencialismo e do parlamentarismo. Nesse modelo, o presidente exerce o papel de chefe de Estado, enquanto o primeiro-ministro, responsável perante o parlamento, atua como chefe de governo.

Entre os potenciais benefícios do semipresidencialismo estão:

• Maior flexibilidade institucional, permitindo estabilidade presidencial com responsabilização parlamentar;

• Melhor adaptação a contextos de fragmentação partidária, favorecendo coalizões;

• Capacidade de evitar crises prolongadas, ao permitir a substituição do governo sem a quebra do mandato presidencial.

Por outro lado, o modelo também apresenta riscos:

• Conflitos entre presidente e primeiro-ministro em cenários de "coabitação", especialmente em contextos polarizados;

• Ambiguidade institucional quanto à autoridade suprema;

• Possível concentração de poder sem controles constitucionais claros.

Diante disso, a pergunta que se impõe é direta e inquietante: o semipresidencialismo é a chave para a estabilidade institucional brasileira ou apenas mais uma promessa de solução que obscurece os reais desafios do nosso sistema político?

Ernani Carvalho, professor Titular do Departamento de Ciência Política da UFPE

 

Compartilhe

Tags