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IOF - Invenção do Orçamento Fictício

A ficção começou em 2022, quando o Congresso Nacional, num gesto generoso com o dinheiro alheio, aprovou a chamada PEC da Transição.

Por Carlos Sant'Anna Publicado em 11/07/2025 às 0:00 | Atualizado em 11/07/2025 às 11:45

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Por muitos anos, o IOF foi apenas uma sigla pouco comum e conhecida da população. O Imposto sobre Operações Financeiras é um daqueles tributos silenciosos, que aparecem discretamente nos extratos bancários, nos contratos de câmbio ou nas prestações de crédito. Nunca ganhou manchetes. Até agora.

Com base na celeuma instalada entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, o IOF ganha outro sentido, mais atual, mais fiel ao momento das contas públicas brasileiras. Posso dizer que o IOF, hoje, não é só imposto. Significa também uma outra realidade bem brasileira de uma prática institucionalizada, que é a Invenção do Orçamento Fictício.

A ficção começou em 2022, quando o Congresso Nacional, num gesto generoso com o dinheiro alheio, aprovou a chamada PEC da Transição — também conhecida nos bastidores como PEC do Rombo. A proposta autorizou um déficit superior a R$ 200 bilhões, abrindo espaço para o novo governo gastar livremente antes mesmo de tomar posse. Não se tratava de reprogramação fiscal, mas de uma renúncia formal à responsabilidade fiscal e austeridade.

Instalado o governo, esperava-se um movimento de ajuste. Um mínimo de equilíbrio, mas nada. Vieram novos orçamentos e, com eles, a irracionalidade e o desprezo com a matemática, notadamente as adições e subtrações. Receitas fantasiosas, despesas infladas, metas fiscais que já nascem mortas e previsões que só funcionam no PowerPoint. A técnica orçamentária foi substituída pela contabilidade literalmente criativa.

Não satisfeitos com a verdade cartesiana, criou-se o chamado arcabouço fiscal, uma regra desenhada não para conter os excessos, mas para fundamentar o descontrole. O novo marco fiscal foi vendido como ancoragem, mas na prática apenas validou o improviso. O teto virou tenda, e a meta virou referência ficção. Hoje, o governo acumula sucessivos déficits, sem qualquer sinal de correção de rumo. Já estamos discutindo o orçamento de 2025, e o que se vê é mais do mesmo: despesa garantida, receita presumida, e um número real que não se sustenta.

A consequência disso é previsível. Como o orçamento não fecha, a saída é sempre a mesma e antiga, aumentar imposto. E foi o que aconteceu. Aquele velho IOF, pouco lembrado, que passava discretamente, teve sua alíquota elevada. A elevação não foi para regular o sistema financeiro, nem para corrigir desequilíbrios cambiais. Mas para simplesmente arrecadar e só isso. Aumentou-se o IOF não por necessidade técnica, mas por incapacidade de entender econômica doméstica, gastar menos do que ganha.

O ponto mais grave é que o aumento do IOF é apenas a ponta visível de um problema mais profundo, no qual o orçamento brasileiro virou um instrumento político, sem compromisso com a realidade econômica e fiscal. E enquanto o orçamento continuar sendo escrito como peça de ficção, o imposto continuará sendo um elemento gritante da realidade.

Nesse cenário o contribuinte é duplamente penalizado. Primeiro, porque paga mais. Segundo, porque financia um modelo de Estado que não se sustenta, nem se corrige. A farsa se perpetua, inventa-se um orçamento para justificar gastos; depois, aumenta-se imposto para dar credibilidade ao inventado, como se fosse culpa da realidade não amparar a ficção.

No fim das contas, a ironia é inevitável, o IOF - Imposto sobre Operações Financeiras, virou a sigla mais honesta para descrever o estado das finanças públicas no Brasil. O aumento do IOF é só a consequência lógica e previsível da Invenção do Orçamento Fictício. E, enquanto a ficção seguir ditando os parâmetros das receitas, e os devaneios o controle das despesas, a realidade baterá na porta com a conta que só será paga com os impostos cobrados da população, que não será nem de renda e nem do patrimônio, mas sempre no consumo, pois é nesse modelo que ninguém ver e ninguém sabe, que o governo tenta fazer política pública, será?

Carlos Sant'Anna, advogado e presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

 

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