Festa e renda no interior
O respeito às tradições parece estar mexendo com a autoestima do nordestino e, em especial, dos forrozeiros, que andam roucos dos gritos de protesto

Este nosso jornal trouxe, em boa hora, no exemplar de 1º/6/25, o seu editorial com o título em epígrafe, fazendo, no seu conteúdo, uma análise exemplar das festividades do ciclo junino e o seu rebatimento nos empregos e rendas gerados pela movimentação deste período pródigo em tradições, na identidade cultural e na dinâmica dos rendimentos gerados pelas manifestações inerentes à data.
Os festejos nasceram da índole agrária, dos costumes europeus, da fertilidade da terra e do homem, da tradição intuída na sua essência, fomentados, desde cedo, pelo negro e pelo índio.
A Igreja Católica, considerando o papel de João Batista como um antecipador de Cristo, dimensionou a festa de São João, nas proximidades da mudança de estação (solstício de verão), objetivando absorver os cultos agrários pagãos, como um anúncio vivo do Advento.
Segundo Câmara Cascudo, “Portugal possui no espírito da sua população todas as superstições, adivinhações, crendices e agouros amalgamados da noite de 23 de junho, convergência de vários cultos desaparecidos, e de práticas inumeráveis confundidas e mantidas sob a égide de um santo católico.” Estas tradições pagãs, como se pode deduzir, mas cristianizadas, foram-nos trazidas e legadas pelo colonizador português.
A cada junho, o São João nosso de cada ano, notadamente uma festa regional, nordestina por excelência, quando se vive o período festivo mais celebrado da região, quando se homenageia a tríade santíssima, Santo Antônio, São João e São Pedro, evento aglutinador de milhões de pessoas que têm grande relevância cultural e econômica.
O São João é uma festa-família!
Festa do interior, denotando o quanto a maioria das cidades se veste de contente para as alegrias emanadas dos folguedos alusivos às manifestações.
Músicas e danças, o baião e o forró, o xote e o xaxado, a ciranda e o coco de roda, a Ema e o Morto-Vivo, o Cavalo Marinho e seu correlatos, a quadrilha, cores e encenações, cheiro de terra batida, de juventude e de fumaça, de fogos e pólvora, dos bacamarteiros, o paladar das comidas típicas, quase todas à base de milho, que origina a canjica e a pamonha, o munguzá, consagrando, por igual, o pé de moleque e o arroz-doce, além do “quentão,” uma bebida da época.
Há séculos, os diversos ritmos animam o remelexo dos arrasta-pés e povoam o imaginário cultural do Nordeste.
A indumentária também veste o colorido das festividades, o chapéu de palha e os vestidos e camisas de chita refletem o clima amatutado de uma festa que deita raízes na cultura interiorana, porque assim foi incorporada.
Que venha o nosso Luiz Gonzaga, o rei do baião, a quem a Música Popular Brasileira tanto deve, devemos mais, nós, os brasileiros de nossa região, porque foi ele, principalmente ele, quem colocou o Nordeste, cantando a nossa saga, no mapa brasileiro, espalhando o forró país afora, constituindo-o tronco fundamental para a música e a cultura brasileiras.
Que venha, Gonzagão, desta vez, na companhia de um dos seus parceiros, Humberto Teixeira, advogado e letrista, para cantarmos juntos:
“Quando oiei’ a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu preguntei a Deus do céu, uai
Por que tamanha judiação?”
Qual a origem da palavra forró?
Uma versão diz que essas festas abertas eram oferecidas pelos norte-americanos estabelecidos na base militar do Rio Grande do Norte, durante a Segunda Guerra. Eram chamadas de forrobodó, uma festa aberta, aceita como uma farra generalizada.
Uma outra versão, talvez menos afeita, que salientava a presença de uma empresa inglesa que construía uma ferrovia em Pernambuco promovia bailes para os operários e era anunciada junto à comunidade como for all (para todos, em inglês).
Daí, surgiu a quadra de Capinam e Geraldo Azevedo, apoiados pela liberdade ensejada pela licença poética:
“Foi assim que o pau comeu
Foi assim que o povo leu
O for all dos estrangeiros
Para todos os brasileiros
Forro, Forró, Forró, Forró.”
O baião e os seus afins podem ser os intérpretes da resposta brasileira à invasão estrangeira de tangos e polcas, além dos boleros da época.
Para Gilberto Gil, imortal da Academia Brasileira de Letras, a música brasileira tem a supremacia de duas dinastias: o samba é uma. O baião, a outra.
A festa de Santo Antônio celebra o santo casamenteiro que mora no imaginário popular, na fé dos que acreditam nas adivinhações, que saem e compram uma faca virgem, para, na noite que antecede a do dia 13, enfiá-la na bananeira, objetivando, no amanhecer do dia, procurar identificar a primeira letra do príncipe encantado.
Caruaru e Campina Grande, a cada ano, rivalizam sobre quem faz o maior e o melhor São João, num Fla x Flu da cultura nordestina.
Cada uma dessas cidades com a manutenção de brincadeiras tradicionais, mas também com as inovações que a tecnologia e a criatividade vão ensejando.
É época do espocar de fogos, uma temeridade pelos riscos iminentes, confeccionados por fogueteiros considerados artesãos do efêmero. Nos subúrbios e arruados, a gurizada se solta nos busca-pés, rojões, estrelinhas, girândolas, lágrima e fogos de vista que clareiam os céus com luzes são-joaninos.
BACAMARTEIROS
Repito o grande folclorista pernambucano, escritor Olímpio Bonald Neto, quando disse: dentre os esportes rurais do nordeste pecuário nenhum é tão difundido, como a vaquejada, nem tão original e pernambucanamente autêntico, como os bacamarteiros.
O forró pé de serra e o respeito às tradições parecem estar mexendo com a autoestima do nordestino e, em especial, dos forrozeiros, que andam roucos dos gritos de protesto.
Alinhado a este clamor, voltarei ao tema e ao lema, tão nosso e tão da nossa alma.
Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo (Abevt).