OPINIÃO | Notícia

Extensão viva, universidade fora dos seus muros

Quando o quesito for curricularização da extensão, a receita é fácil: a rua é o lugar, as comunidades tradicionais são a fonte e o povo é o foco

Por Helinando de Oliveira Publicado em 08/06/2025 às 19:20

Seu José mora no interior da Bahia, onde tem sua pequena roça, conquistada a muito custo, depois de ter sido removido (ainda jovem) de sua terra natal, inundada pelo lago de Sobradinho. Sua pequena casa, ainda sem banheiro, e uma pequena plantação de macaxeira é tudo o que lhe resta.

No mais, sobram preocupações: a água contaminada, a ação de grileiros, as mudanças climáticas... A seu favor, estão algumas organizações não governamentais, enquanto que contra estão as grandes corporações. E nesta luta desigual é fundamental que a universidade pública esteja presente. O povo brasileiro é financiador principal das pesquisas desenvolvidas em instituições públicas e deve ter prioridade de atenção por parte de nossos pesquisadores.

E possivelmente esta atenção seja mais relevante para o pesquisador do que para o próprio povo. Fora dos muros da universidade estão os problemas que não aparecem nos livros textos das disciplinas e que requerem integração de saberes. É lá que o pessoal da saúde, antropologia, filosofia, geografia, física e química conversa e se entende. E se fazem povo ao aprender mais com o seu José do que ele tenha a aprender com os pesquisadores.

O choque de realidade é ainda maior na volta ao laboratório, quando se entende o tamanho do compromisso social da universidade pública com o seu financiador, o povo. Dedicar horas de investigação sobre problemas nossos é uma rotina que enaltece a soberania nacional. Voltar à roça e dar o devido retorno ao seu José é um compromisso que faz criar raízes sociais e de empoderamento do nosso povo.

E que ninguém ouse falar mal da universidade pública perto do seu José, que embora nunca tenha estudado, sempre é ouvido atentamente por um grupo de doutores que são sensíveis às suas dores. Ele se sente importante nestes momentos e oferece o melhor de suas terras. Em troca, voltamos com sacos de macaxeira, sorrisos e boas conversas.

Fazer extensão é praticar cidadania e conquistar pessoas que nunca puderam sentar numa sala de aula. Seu José agora sabe a quem consultar sobre a veracidade de fake news... Ele agora é um de defensor da universidade pública. Quanto aos nossos estudantes, uma mudança conceitual se faz evidente: eles entendem que o seu chefe não é o mercado, mas sim o povo. E nisso há uma lição de humanidade implícita que é vital para a consolidação de profissionais comprometidos: ter uma profissão que sirva também aos mais pobres e necessitados dá o real significado de pertencimento a um país. Ser brasileiro é bem mais que vestir a camiseta verde e amarela. Ser brasileiro é amar os brasileiros.

Portanto, quando o quesito for curricularização da extensão, a receita é fácil: a rua é o lugar, as comunidades tradicionais são a fonte e o povo é o foco. Sem matriz curricular, sem compartimentos, sem quadros nem pincéis. Somente a vida como ela é.

Helinando de Oliveira. Físico. Professor Titular da Univasf e membro da Academia Pernambucana de Ciências.

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