Opinião | Artigo

Otávio Santana do Rêgo Barros: 'A Guarda Suíça e a teoria de Hobbes'

Diante desses conflitos que se intensificam incontrolavelmente, o mundo vive um dilema entre a paz kantiana e o confronto hobbesiano

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 06/06/2025 às 23:27

Na semana passada, a Ucrânia desencadeou uma ação militar contra a Rússia, com o objetivo de destruir em solo mais de quarenta aeronaves estratégicas desse país.

Há meses, espiões ucranianos infiltraram-se em território russo, transportando drones artilhados em caixas camufladas e os posicionaram a poucos quilômetros das bases alvos.

Os “pequenos e inofensivos” objetos voadores permaneceram ativados à espera de um pulso eletromagnético que os despertassem para a missão de voar direto para os objetivos pré-selecionados, destruindo-os sorrateiramente.

Como reforço à batalha informacional, as maquininhas carregavam, além dos potentes explosivos, minúsculas câmeras que gravaram a operação.

O mundo ocidental assustou-se com a imagem das intensas labaredas lambendo os hangares e como som das violentas explosões desmilinguindo as aeronaves.

A operação TEIA DE ARANHA - codinome atribuído à ação – mexeu com as certezas teóricas e práticas das operações militares desencadeadas na guerra entre Rússia e Ucrânia.

Resgatei a imagem que ilustra este artigo, obtida de um companheiro de farda e estudioso das guerras assimétricas, por sintetizar o estado de coisas que reina naquela região.

A Rússia, cuja imensa dimensão territorial já a protegeu de inimigos vigorosos (lembremos as derrotas de Napoleão e de Hitler), vê-se agora vulnerável a essas artimanhas modernas.

Diante desses conflitos que se intensificam incontrolavelmente, o mundo vive um dilema entre a paz kantiana e o confronto hobbesiano.

Na obra A PAZ PERPÉTUA, Immanuel Kant propôs um projeto filosófico e político que redundasse em uma paz duradoura entre as nações.

Afirmava o filósofo alemão que essa paz não deveria ser apenas um estado temporário, mas uma condição permanente, construída a partir de princípios racionais e jurídicos.

Por sua vez, o inglês Thomas Hobbes, na obra LEVIATÃ, apresentou uma visão pessimista da natureza humana, afirmando que os homens viviam em constante conflito, movidos pela luta por sobrevivência.

Para evitar o caos e a guerra de todos contra todos, Hobbes defendia um regime que concentrasse autoridade total, garantindo a ordem e a segurança.

Paradoxalmente, ele reconhecia que cada indivíduo possuía, originalmente, o direito natural de lutar por sua vida, seus desejos e sua liberdade.

De qual estágio filosófico o mundo atual mais se aproxima? Do doloroso contrato proposto por Hobbes ou da bucólica paz sonhada por Kant?

Em uma palestra para alunos de uma Universidade de São Paulo que nos visitavam no Quartel General do Exército, comentei a conjuntura internacional e seus impactos para o Brasil e os provoquei:

- Qual o Estado moderno que mais representa o espírito da paz kantiana?

Silêncio inicial, murmúrios entre colegas, quando um destemido rompe o impasse e responde:

- O Brasil...

Não me pareceu uma aleivosia, pois é transparente que a nossa sociedade não observa o assunto segurança e defesa como prioritários e, portanto, acredita mais em Kant que em Hobbes.

Mas não era sobre o Estado brasileiro que eu queria comentar.

- E que tal, o Vaticano?

Aquele Estado é a sede política e material da Igreja Católica - um enclave no centro de Roma.

É bem verdade que, como sede espiritual, qualquer local serviria ao propósito, visto que é no abrigo do coração que reside a fé que nos move rumo aos bons ensinamentos de Cristo.

- Já ouviram falar da Guarda Suíça?

A Guarda Suíça é o Exército do Vaticano e sua missão é proteger aquele Estado e o Papa. Formada por soldados suíços, famosos por sua disciplina e bravura, é a força militar profissional mais antiga em atividade contínua no mundo.

- O que significa força profissional?

Uma estrutura capaz de lutar com armas, armas com poder de matar, e assim ofender um mandamento bíblico.

- Que paradoxo, não acham?

No fundo, a paz kantiana serviu de alerta ao mundo que nem todo conflito se resolveria com a luta, com a guerra, mas a guerra, como instrumento de afirmação da soberania e proteção de pessoas, coisas e vontades, nunca deixaria de existir.

Acolhendo humildemente discordâncias, os guardas suíços, que pensam a “guerra” pelo prisma da “paz”, na essência de sua missão, não estarão também impregnados pelo espírito de Hobbes?

*Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

Compartilhe

Tags