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O custo invisível do novo IOF: por que empreender ficou ainda mais difícil

Aumento do imposto compromete o acesso ao crédito, encarece operações internacionais e amplia a insegurança jurídica no ambiente de negócios_

Por ANNA DOLORES SÁ MALTA Publicado em 03/06/2025 às 22:44

O recente aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) é mais do que uma medida técnica para reforçar os cofres públicos. Para quem, vive diariamente os desafios de empreender e acompanha de perto os obstáculos enfrentados por micro, pequenas e médias empresas, essa decisão é mais um duro golpe na construção de um ambiente de negócios saudável, previsível e competitivo no Brasil.

Ao elevar as alíquotas, o governo espera arrecadar R$ 20,5 bilhões ainda este ano e R$ 41 bilhões até 2026. Mas a que custo? Em vez de buscar soluções estruturantes para o equilíbrio fiscal, opta-se por onerar quem menos tem espaço de manobra: o pequeno empreendedor, o produtor que trabalha com margens apertadas e o empresário que está tentando resistir ao efeito da alta da Selic, que já está em 14,75%.

Empresas do Simples Nacional, por exemplo, passaram a ter uma alíquota de IOF de até 1,95%, contra 0,88% anteriormente. No papel, parece pouco. Na prática, é o suficiente para inviabilizar uma linha de crédito que poderia manter um negócio de pé. No caso dos MEIs, embora a alíquota tenha sido mantida em 0,38%, é ilusório pensar que eles estão a salvo: o impacto da restrição ao crédito atinge o ecossistema inteiro, e essa ponta é a mais vulnerável.

O aumento também atinge as operações de câmbio, com a aplicação de 3,5% de IOF sobre empréstimos de curto prazo tomados no exterior, operações que estavam isentas desde 2023. Essa mudança afeta diretamente empresas que dependem do mercado internacional para obter capital de giro ou honrar compromissos, e pode gerar um efeito dominó em setores exportadores e em cadeias produtivas com insumos importados. Isso sem contar nos importadores de serviços e bens.

Além disso, a nova regulamentação estende a tributação a estruturas indiretas de crédito, como o chamado "risco sacado", muito utilizado no varejo. Essa operação consiste na antecipação de recebíveis, e não no crédito tradicional. Ainda assim, passa a ser tributada. A mudança conceitual amplia o campo de incidência do imposto e deve gerar judicializações, alimentando ainda mais a insegurança jurídica que já é uma marca do sistema tributário brasileiro.

E é aí que está um dos principais problemas: a instabilidade das regras. Quando impostos como o IOF são alterados de forma constante e sem previsibilidade, o resultado é a paralisação dos investimentos. Como planejar expansão, contratação ou aquisição de equipamentos se não há confiança de que as regras serão as mesmas no mês seguinte? Esse tipo de incerteza afugenta o investidor e mina a confiança de quem quer produzir.

Na tentativa de fechar um buraco fiscal, abre-se uma cratera no setor produtivo. O Brasil já tem uma das maiores cargas tributárias sobre o consumo e serviços do mundo. Usar o IOF como ferramenta de arrecadação, em vez de instrumento regulatório, é distorcer sua finalidade e penalizar justamente quem mais precisa de apoio: os pequenos e médios negócios que sustentam a geração de emprego e renda no país.

Há também uma consequência silenciosa, mas muito nociva: o aumento do custo Brasil. Com o crédito mais caro, as empresas perdem competitividade, especialmente em um cenário global onde países disputam investimentos e acesso a mercados com estratégias mais inteligentes e sustentáveis.

Longe de mim ser contra a responsabilidade fiscal. Pelo contrário, ela é essencial para um país funcionar com credibilidade. Mas cobrar esse ajuste de quem menos pode reagir, enquanto grandes estruturas permanecem intocadas, me parece ser uma escolha política equivocada.

Importante que a medida seja revisada, com escuta ativa do setor produtivo, bem como seja resgatada a função original (e extrafiscal) do IOF. E mais: que se abra um debate sério sobre a simplificação e estabilidade do sistema tributário brasileiro.

Se queremos atrair investimentos, fomentar inovação e gerar empregos de qualidade, precisamos parar de penalizar quem empreende. O Brasil precisa construir um ambiente mais justo, previsível e estável. O aumento do IOF nos leva exatamente na direção contrária.

*Anna Dolores Sá Malta,   doutoranda em Direito pela UFPE, professora de Direito, conselheira do Conselho de Administração de Recursos Fiscais e advogada licenciada

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