OPINIÃO | Notícia

Ivanildo Sampaio: Trump, visto por uma Trump

Escritora norte-americana e psicóloga clínica Mary L. Trump, única sobrinha de Donald Trump, no livro "Demasiado – Nunca Suficiente", traz revelações

Por IVANILDO SAMPAIO Publicado em 01/06/2025 às 7:00

"Como a minha família criou o homem mais perigoso do mundo" – é o que conta e explica a escritora norte-americana e psicóloga clínica Mary L. Trump, única sobrinha de Donald Trump, no livro “Demasiado – Nunca Suficiente”. A obra foi lançada nos Estados Unidos e, embora ainda sem tradução oficial no Brasil, já possui uma versão em Português da Porto Editora, de Portugal.

O livro aprofunda-se nos bastidores de uma família que floresceu "sob um ambiente tóxico" e uma "estranha e perniciosa relação entre o pai, Fred Trump, e os dois filhos mais velhos, Fred Jr. e Donald". Ele oferece uma clara ideia do caráter – ou da falta dele – do filho favorito, Donald, que, quando o pai adoeceu, o ridicularizou publicamente e o afastou dos negócios da família. A escritora também revela que o patriarca não era um exemplo de padrão ético. Embora jogasse o jogo comum da época, fazendo fortuna no mundo da construção civil, ele frequentemente se beneficiava de volumosos subsídios do Governo, conseguidos quase sempre com a ajuda de políticos corruptos que recebiam sua "comissão" dos muitos milhões de dólares repassados para Fred Trump. O pai de Donald começou "por baixo", construindo casas populares para soldados que voltavam da guerra e não tinham moradia, e limitou-se a bairros periféricos de Nova Iorque, jamais chegando a áreas nobres como Manhattan. Isso, no entanto, não o impediu de fazer fortuna para si e sua família. A sobrinha do Presidente dos Estados Unidos não poupa críticas: traça o perfil de Donald como um homem egoísta, mesquinho, covarde, ingrato, mentiroso, que não assume seus erros e se esconde da culpa, defeitos que, segundo ela, carrega consigo desde a juventude.

Mary Trump tem "autoridade" para falar de Donald e de seus irmãos: ela viveu boa parte de sua infância na casa dos avós, no bairro de Queens, em Nova Iorque, onde Donald e seus irmãos cresceram e viram a fortuna da família se expandir, juntamente com seus dramas íntimos e contradições.

Bom, o mundo inteiro está vendo, hoje, o tipo de político que os norte-americanos colocaram na Casa Branca. Se em seu mandato anterior Donald Trump surpreendeu por atos, gestos e medidas absolutamente estranhas no ambiente político norte-americano, neste novo mandato ele se superou. Com maioria nas duas casas Legislativas, tem "no bolso" o Congresso norte-americano, assim como domina a Suprema Corte, onde colocou juízes que pensam como ele e são tão conservadores que parecem desrespeitar a Constituição. E como os Estados Unidos são uma democracia consolidada, e não uma "República de Bananas", não há o menor risco de qualquer intervenção das Forças Armadas que possa afastar o presidente. Há, sim, por parte dos órgãos oficiais, uma profunda preocupação com a segurança pessoal de Donald Trump, que foi vítima de um atentado ainda durante a campanha, e que, hoje, sem medir consequências, agride e ataca em todas as áreas e em todos os setores. Os mais antigos lembram que chefões da Máfia, numa reunião das "cinco famílias" realizada em Miami, decidiram pela morte de John Kennedy – e que Trump, hoje, tem muito mais desafetos do que tinha o jovem presidente democrata de então. Lembram, igualmente, que Robert Kennedy, irmão do presidente, também foi assassinado em praça pública, durante um comício em que participava como pré-candidato à Presidência. Portanto...

Na verdade, desde o dia em que tomou posse, Donald Trump não tem se comportado como presidente da maior potência do planeta, mas como um "Rei" de fancaria, que julga ser dono do mundo. Um de seus primeiros atos foi deportar milhares de imigrantes de várias nacionalidades, sob o argumento de que "a maioria" era composta de "foras-da-lei", embora não conseguisse provar isso. Comprou briga com o mundo universitário, especialmente Harvard, cortando subsídios e anulando contratos históricos do Governo com a Universidade. Tentou impedir manifestações estudantis em favor dos palestinos, que continuam sendo massacrados na Faixa de Gaza. Deu e continua dando total apoio ao Primeiro-Ministro de Israel, Netaniahu, um carniceiro acusado em seu próprio país por atos de corrupção. Ao lado do vice-presidente, J.D. Vance, tão inescrupuloso quanto ele, transformou a Casa Branca num ambiente nojento para humilhar e destratar chefes de Estado, como fez publicamente com Volodymyr Zelensky; ameaçou anexar o Canadá e tomar para si a Groenlândia e a Faixa de Gaza; quer se apoderar do Canal do Panamá, um corredor marítimo utilizado por quase todos os países do mundo; prometeu acabar com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, quando quer mesmo é se apossar de minérios raros ucranianos.

Uma das últimas ameaças de Donald Trump foi dizer que Vladimir Putin estava "brincando com fogo" por continuar os bombardeios contra a Ucrânia. A Rússia respondeu de imediato e perguntou se "brincar com fogo" era fazer uso de seu potencial nuclear. Com essa resposta, o mundo inteiro tremeu: a última vez em que se falou num confronto nuclear entre Estados Unidos e a antiga União Soviética foi na chamada "crise dos mísseis", em 1962, quando Nikita Khrushchev e John Kennedy colocaram em prontidão seus arsenais atômicos, com uma ameaça de destruição do planeta. Donald Trump parece estar trazendo de volta esse imenso pesadelo.

Vem daí, talvez, a definição da escritora e sobrinha Mary L. Trump, segundo a qual o atual presidente dos Estados Unidos é "o homem mais perigoso do mundo". Na verdade, a crítica literária norte-americana fez elogios rasgados ao livro. Segundo o Los Angeles Times, "consegue-se perceber por que razão Donald Trump não quer que leiam o livro de Mary. Mostra que são falsos os mitos que ele alimentou sobre si próprio." Já o Washington Post diz que o livro "é um relato feito com destreza sobre um trauma que atravessou gerações". E Vanity Fair considera que "depois de muitos e muitos livros sobre Donald Trump, o de Mary é essencial". Esperemos, portanto, que alguma editora brasileira traga para cá o relato sobre Trump e sua complicada família, e que Deus nos livre de um filho seu na Presidência dos Estados Unidos, como já se começa a especular.

Ivanildo Sampaio é jornalista

 

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