O teatro do assistencialismo e a degradação do público
É fundamental superarmos definitivamente essa política do espetáculo, do assistencialismo e da privatização disfarçada.....................

O projeto "Unidade Móvel da Saúde" do ex-prefeito de Olinda, Professor Lupercio, representa um dos mais tristes exemplos de como a política brasileira tem sido sequestrada por uma lógica perversa que transforma direitos em favores, serviços públicos em palanques eleitorais e gestores públicos em empreendedores políticos. Como prefeito, Lupércio tinha o dever constitucional de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) municipal, garantindo acesso universal e integral à saúde para toda a população olindense. No entanto, optou por uma estratégia que revela as profundas contradições entre o interesse público e os interesses privados que continuam a dominar nossa política, mesmo sob roupagens supostamente republicanas e de boa fé.
O primeiro e mais grave problema do "Ônibus da Saúde de Lupércio" reside em sua premissa básica: um gestor público que, durante seu mandato, não conseguiu (ou não quis) estruturar adequadamente a rede municipal de saúde, depois se apresenta como "salvador" através de uma iniciativa pontual e assistencialista. Há aqui um erro republicano fundamental: Lupercio lucra politicamente com a própria incapacidade demonstrada durante sua gestão. Se o sistema público de saúde em Olinda tivesse funcionado adequadamente durante seu governo - com unidades de saúde bem equipadas, profissionais valorizados e acesso universal garantido - não haveria necessidade alguma de um ônibus itinerante. A própria existência do projeto é a confissão de um fracasso administrativo transformado em capital político. É como um médico que propositalmente deixa um paciente doente para depois aparecer como herói ao ministrar um remédio paliativo. Esta prática não é apenas imoral - é profundamente antidemocrática e anti republicana. Ela se baseia na manutenção deliberada da precariedade para criar dependência da população em relação a ações espetaculosas e midiáticas. Transforma o que deveria ser direito em favor, o que deveria ser política de Estado em marketing pessoal.
O segundo problema grave deste projeto é como ele se insere em uma estratégia mais ampla de desmonte do público e avanço do privado. A história da saúde no Brasil mostra como ações aparentemente benéficas serviram para consolidar a mercantilização da saúde. Quando substituímos políticas estruturais - como a valorização dos profissionais, construção e manutenção de unidades básicas de saúde - por ações itinerantes e pontuais, estamos enviando uma mensagem subliminar à população: "o Estado não consegue prover serviços estáveis e de qualidade, portanto, é melhor você buscar alternativas privadas". O SUS foi criado justamente para superar essa dicotomia entre saúde pública (restrita ao controle de epidemias) e assistência médica (entregue ao mercado). O artigo 196 da Constituição é claro: saúde é direito de todos e dever do Estado. Um prefeito verdadeiramente comprometido com os princípios do SUS investiria em fortalecer a rede pública, não em criar soluções paliativas que apenas maquiam o problema.
O Brasil precisa urgentemente superar esse tipo de prática política que mistura assistencialismo, personalismo e desprezo pelos serviços públicos. É fundamental defender algumas medidas. Por
exemplo, gestores que usam sua posição para autopromoção privada devem ser responsabilizados administrativa e judicialmente. Além disso, impedir que a precarização do SUS seja aproveitada pelo mercado para vender falsas soluções, fazendo investimento maciço em concursos públicos, equipamentos e infraestrutura das unidades de saúde. Por fim, combater duramente a cultura do favor e do clientelismo, mostrando que saúde, educação, assistência social são direitos, e não moeda de troca eleitoral.
É fundamental superarmos definitivamente essa política do espetáculo, do assistencialismo e da privatização disfarçada. Projetos como o "Ônibus da Saúde de Lupércio" devem ser não apenas criticados, mas abolidos de nosso imaginário político. Eles representam tudo o que há de errado na Política: o personalismo, o curto-prazismo, o desprezo pela coisa pública. Essa iniciativa de Lupércio pode até render likes nas redes sociais e votos nas próximas eleições. Mas a História - e a saúde do povo de Olinda - cobrará caro por esse tipo de encenação política. Cabe a nós, defensoras consequentes dos serviços públicos e da democracia, não deixar que essa conta seja paga, mais uma vez, pelos mais pobres e vulneráveis.
Eugênia Lima, especialista em gestão pública e mestre em desenvolvimento urbano