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América do Sul: em busca de mais espaço no tabuleiro mundial

No artigo da semana passada, recorri à metáfora do jogo WAR para refletir sobre a dinâmica atual das relações internacionais.......

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 24/05/2025 às 0:00 | Atualizado em 29/05/2025 às 12:20

A semelhança entre o tabuleiro do jogo e o mapa-múndi geopolítico está no reposicionamento dos centros de poder e no embate silencioso por influência, recursos e segurança.

A comparação serviu para ilustrar um mundo em mutação acelerada, onde alianças são redesenhadas e atores emergentes desafiam as potências tradicionais.

Destaquei a atuação de alguns desses protagonistas: a China, que já definiu sua estratégia com discrição e firmeza; a Rússia, movida por ambições imperiais de longa data, que se alinha, por ora, a Pequim; os Estados Unidos, em esforço contínuo para preservar sua relevância global; e a Europa, que desperta de sua letargia para investir em segurança.

O que esses atores têm em comum? A consciência clara de seus interesses e a disposição para defendê-los com assertividade.

Em contraste, a América do Sul, à margem do eixo decisório global, segue com pouca capacidade de projeção e, a cada dia, mais vulnerável a pressões externas. É sobre essa assimetria que retomo o tema.

A América do Sul precisa consolidar-se de dentro para fora. Como no WAR, o continente, para se proteger e até se expandir, antes deve acumular forças.

Como estratégia para avançar nesta fase do jogo, os países integrantes do subcontinente devem desenvolver tecnologia de ponta por meio da indústria de defesa, modernizar ou adquirir equipamentos de emprego militar compatíveis com os cenários futuros, enquanto adapta as doutrinas de emprego de suas Forças Armadas para os tempos modernos.

Devem, ainda, promover alianças sustentáveis, baseadas em interesses mútuos e objetivos de longo prazo e, ao mesmo tempo, observar uma neutralidade pragmática.

Essas opções ganham sentido diante dos inúmeros desafios contemporâneos: guerras em curso (como na Ucrânia, na Faixa de Gaza e na Caxemira); disputas por rotas estratégicas (como o Canal de Suez, o Estreito de Ormuz, o Canal do Panamá, o Oceano Ártico e o Mar do Sul da China); a erosão do multilateralismo e o enfraquecimento da ONU; o avanço do terrorismo transnacional; e a escassez de recursos naturais.

Diante desse cenário, é natural que o Brasil, por suas dimensões geográficas, peso demográfico, força econômica e respeitada diplomacia, promova um projeto regional voltado à integração e à segurança coletiva da América do Sul.

Essa liderança, no entanto, não se fará de forma isolada. É mister que seja compartilhada. Cada país deve contribuir com o que tem de mais relevante — seja em poder militar, inteligência e comunicação estratégicas ou articulação diplomática.

Foi com esse espírito de "um por todos, todos por um" que, nesta semana, representantes dos Exércitos sul-americanos estiveram reunidos em Brasília para a criação da Rede de Cooperação dos Exércitos Sul-Americanos (RECESA).

A assinatura do memorando de entendimento que institui a iniciativa estabelecerá um canal permanente de diálogo entre as forças terrestres da região.

O objetivo declarado é promover a cooperação técnico-militar, compartilhar conhecimento e planejar ações conjuntas de interesse comum.

O preâmbulo do documento destaca os pilares desse projeto ao defender o fortalecimento da confiança mútua, o fomento às capacidades autônomas e a consolidação de uma cultura de paz.

Esses valores não são retóricos. Mais do que um gesto simbólico, trata-se de uma resposta compartilhada desses países aos sismos geopolíticos promovidos para além de nossas fronteiras.

A RECESA, ainda que uma propositura alinhada ao campo militar, vem ao encontro de um objetivo mais amplo: edificar estabilidade e reforçar soberania, para proteger os interesses regionais em um mundo cada vez mais imprevisível.

Essa iniciativa poderá instigar estímulo para que as lideranças desses países aprofundem ações integradoras em outros campos do poder, fortalecendo ainda mais a coesão regional.

Um exemplo da possibilidade dessa integração que poderá trazer avanço para o comercio regional: o projeto Rota Bioceânica de Capricórnio, unindo os oceanos Atlântico e Pacífico.

Somos, em grande parte, países irmãos por herança ibérica, por histórias passadas e, seguramente, o seremos por histórias futuras.

Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

 

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