O humor de Francisco, sua retórica do espírito
A sua capacidade de sorrir fez a Igreja aproximar-se das pessoas de maneira mais humana, utilizando o humor como uma ponte de empatia.......

Neste 21 de maio, completa-se um mês do seu encantamento. Convém lembrá lo. A postura humilde e acessível do Papa Francisco associou-se ao bom humor e espírito leve, que se tornaram marcas registradas do seu pontificado. A sua face emoldurada por um permanente sorriso revelou o entusiasmo de estar, sempre, em estado de exaltação do espírito. Entusiasmo (do grego in theos), que significa, literalmente, "em Deus".
A sua capacidade de sorrir fez a Igreja aproximar-se das pessoas de maneira mais humana, utilizando o humor como uma ponte de empatia, a demonstrar que a fé e a alegria podem caminhar juntas. Afirmava que a fé sob o influxo do humor deveria naturalmente nos tornar mais leves e cheios de vida. "Um cristão triste é um triste cristão", destacando a importância de sorrir.
Asseverou, em estação de tv argentina, que o senso de humor é um atestado de sanidade, "de saber ver que a vida sempre tem algum sorriso porque o senso de humor humaniza. Humaniza tanto. Pessoas que não tem senso de humor não tem graça."
Nesse sentido, Franciso sempre foi persuasivo:
"Para compreender se uma pessoa alcançou uma grande maturidade espiritual, questionemo-nos: Ela tem senso de humor? [...] E para mim o senso de humor é a atitude humana mais próxima da graça." (16.03.2018). "O sentido de humor é uma graça de alegria e a alegria é uma dimensão da santidade" (09.09.2021).
"Aborde a vida com senso de humor, pois apreciar as coisas da vida que nos fazem sorrir faz bem à alma" (14.06.2024).
Logo após ser eleito, em 13.03.2013, gracejou, dizendo por graça: "Meus irmãos cardeais foram me buscar quase no fim do mundo", referindo-se à sua origem argentina. E quanto à escolha do nome, brincou: "Alguns queriam que eu me chamasse Clemente XV para me vingar de Clemente XIV, que suprimiu os jesuítas… Eu disse: Francisco, e pronto! "
Não custa lembrar que Clemente XIV (1769-1774) assinou um breve papal, denominado "Dominus ac Redemptor", eliminando os jesuítas da estrutura da Igreja, retirando-lhes todos os seus bens (21.07.1773). A decisão papal, suprimindo a Companhia de Jesus, foi tomada sob pressão dos monarcas da Casa de Bourbon, notadamente Carlos III de Espanha, insatisfeitos com a influência e o poder da ordem jesuíta. A ordem, criada em 1534 no contexto da Reforma Religiosa e fundada por Inácio de Loyola (1491-1556) com os padres
jesuítas atuando como evangelizadores, somente restaurada em 1814 pelo Papa Pio VII.
Francisco era jesuíta e foi o primeiro Papa jesuíta da história. Curioso é que não escolheu um nome vinculado à tradição jesuíta, como Inácio de Loyola, preferindo a ordem franciscana, para evocar a simplicidade e o compromisso com os pobres, valores personificados em São Francisco de Assis (1181-1226).
Um jesuita com nome franciscano ganhou, segundo o teólogo Rodrigo Moraes, uma força simbólica, teológica e pastoral.
O Papa Francisco assinou, em dezembro passado, o artigo "There Is Faith in Humor" ("Há fé no humor") publicado no "The New York Times" (EUA) destacando a importância da fé e do humor na vida cotidiana. Segundo ele, longe de ser uma mera distração, o humor pode ser uma profunda manifestação de fé e de esperança, servindo a unir as pessoas. Ou seja, "o humor é um dom espiritual que ajuda a manter o coração aberto, a alma leve e a confiança em Deus viva, mesmo nos momentos de adversidades.".
E disse mais: "rindo de nós mesmos e de nossas circunstâncias, será possível reconhecer a humanidade", ao defender o bom humor e a autoironia (autozombaria), como ferramentas que dissuadem a apatia emocional das pessoas e superam a tentação do narcisismo. Adiante ponderou, com leveza e humor refinado: "um provérbio diz que existem apenas dois tipos de pessoas perfeitas - os mortos e os que ainda não nasceram."
Uma de suas referências mais conhecidas é a de quando citou a oração do Santo Tomás Moro (1478-1535), que pedia a Deus o dom do bom humor, em meio ao sofrimento. O doutor em direito e chanceler a escreveu na prisão, sabendo que seria morto: "Senhor, dai-me uma boa digestão, mas também algo para digerir.
Dai-me a saúde do corpo, mas também o bom humor, necessário para mantê-la (...) Dai-me, Senhor, senso de humor!" Francisco rezava sempre a oração, há mais de quarenta anos, a tanto que afirmou: "O humor é uma graça que peço todos os dias. Um cristão com cara de vinagre não é um bom cristão."
Suas respostas descontraídas e imediatas exaltavam o bom humor. Abordado pelo padre João Paulo Souto Victor (Campina Grande, PB) que lhe pediu orações ao país, Francisco retrucou, sorrindo: "vocês não têm salvação, é muita cachaça e pouca oração" (26.05.2021).
Em encontro sobre as famílias e os desafios familiares inerentes, comentou: "Às vezes as sogras são um pouco difíceis, mas elas são mães, são avós. Não se pode jogá-las fora!", provocando risadas dos circunstantes. E arrematou: "Cuidem das sogras, mas com prudência!"
Ao defender o humor como indutor de bem-estar para uma vida mais plena e significativa, como fonte de renovação espiritual, Francisco deixa-nos uma
humanística lição. Sorrir para a vida, assim ela poderá sorrir para nós, agradecendo. É sinal de uma alma livre e confiante em Deus.
Jones Figueirêdo Alves, desembargador emérito do TJPE. Advogado e parecerista