OPINIÃO | Notícia

Sérgio C. Buarque: Lá se vão 80 anos. O nazismo acabou?

O expansionismo também ressurge, do outro lado do mundo, com a posse do presidente Trump, nos Estados Unidos. Desde que assumiu ele ameaça

Por SÉRGIO C. BUARQUE Publicado em 15/05/2025 às 7:00

O nazismo tem várias facetas, sendo o racismo genocida a mais difundida e também o mais detestável. Embora Hitler tivesse, ele mesmo, um ódio patológico aos judeus, o antissemitismo foi explorado como um meio de enriquecimento do Tesouro alemão e de mobilização dos ressentimentos de parte da população alemã contra os cidadãos de origem semita que se destacavam no sistema bancário e na intelectualidade da Alemanha. Fora isso, o nazismo tem dois componentes básicos: a violenta ditadura alimentada pelo culto à personalidade ao Führer, e o expansionismo (a defesa do espaço vital), avançando sobre territórios com população alemã e logo se espalhando por outros países para saquear as riquezas alheias.

Ditadura e expansionismo são dois aspectos indissociáveis do Terceiro Reich que levaram à loucura desumana da Segunda Guerra Mundial, com a destruição em larga escala e a morte de 60 milhões de pessoas.

No momento em que se comemora 80 anos da destruição do Terceiro Reich, cabe a pergunta: o nazismo acabou? Se comenta muito o ressurgimento de uma direita extrema em vários países (incluindo a Alemanha, que foi o berço do nazismo) como um sinal de que as ideias nazistas continuam ameaçando a democracia. Mas, o autoritarismo de direita é apenas um dos aspectos do nazismo.

A vitória contra o Terceiro Reich, que abriu espaço para a formação dos regimes democráticos na Europa (especialmente na Alemanha) e em grande parte do planeta, está ameaçada pela extrema direita, é verdade, mas ainda está consolidada na maioria das nações. A exceção foi a União Soviética de Stalin, que lutava pela preservação do seu território e não pela democracia, e que deixou a sua marca de autoritarismo, presente até hoje na Rússia de Vladimir Putin.

Mas, e o expansionismo? Este parecia aposentado desde a formação das Nações Unidas e que foi assinado, em 1975, um acordo internacional (Ata Final de Helsinki) estabelecendo a inviolabilidade das fronteiras dos Estados e rejeitando a possibilidade de guerra para solucionar eventuais conflitos territoriais. O expansionismo voltou com toda força, há dois anos, com a invasão da Ucrânia pelas tropas russas do autocrata Putin, herdeiro do stalinismo e do czarismo. Os seus argumentos são muito semelhantes àqueles utilizados por Hitler para anexar a Áustria e tomar os Sudetos da então Tchecoslováquia - reunir todos os alemães sob o mesmo império - e para avançar sobre a Polônia, recuperando os territórios que formavam o antigo império prussiano antes da Primeira Guerra Mundial. Além de repetir que a Ucrânia não existe como nação, que teria sido uma invenção de Lênin, o autocrata Putin anexou a Criméia e avançou sobre o território do Donbass, parte oriental da Ucrânia, porque estes teriam uma maioria de cidadãos russos.

O expansionismo também ressurge, do outro lado do mundo, com a posse do presidente Donald Trump, nos Estados Unidos. Desde que assumiu, Trump ameaça, sistematicamente, ignorar as regras internacionais de inviolabilidade das fronteiras nacionais. Já ameaçou anexar o Canadá, tomar o México e a Groelândia, e tem mostrado uma enorme simpatia pelo presidente Putin, incluindo a aceitação da anexação de parte do território ucraniano pelos russos.

Na semana passada, Moscou foi palco de uma grande festa para comemorar os 80 anos da vitória contra a Alemanha nazista, lembrando o papel decisivo que teve a União Soviética na guerra que acabou com a ditadura expansionista de Hitler, quando morreram mais de 20 milhões soviéticos, nem todos russos, diga-se de passagem.

Segundo o embaixador da Ucrânia no Brasil, cerca de 7 milhões de ucranianos morreram na Segunda Guerra Mundial, quase um terço das perdas da União Soviética. A União Soviética não entrou na guerra para defender a democracia, mas para salvar o território e o sistema despótico do stalinista, reagindo à invasão das tropas alemãs. As comemorações de Moscou são legítimas, enquanto registro histórico da resistência das União Soviética e a tomada de Berlim.

Mas a Rússia de Putin não tem a menor credibilidade para celebrar a derrota do regime autoritário e do expansionista da Alemanha nazista. O governo autocrata que invadiu a Ucrânia e ainda está em guerra e ocupando parte do território ucraniano não tem autoridade para condenar as ideias e aventuras militares dos nazistas.

Diante disto, é inaceitável que Lula da Silva, na qualidade de presidente da República do Brasil, tenha participado ativamente, como chefe de Estado, das manifestações na Praça Vermelha, em Moscou, ao lado do autocrata e expansionista Vladimir Putin. O Brasil deve ter relações diplomáticas e comerciais com a Rússia, ambos são membros do BRICS e, portanto, parceiros em vários projetos, o que justifica uma visita de Lula ao país dirigido por Putin. Mas, não para participar da festa de Putin, presidente de um país que não tem respeito pela democracia, menos ainda pela soberania das nações, valores consagrados no Estado e na diplomacia brasileira.

Sérgio C. Buarque, economista

 
 

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