OPINIÃO | Notícia

Roberto Pereira: Poema para o Dia das Mães

Ficou nas pupilas dos brasileiros, diante do silêncio consternado de parentes e fãs, a pessoa humana de Roberto Carlos, homenageando a sua mãe

Por ROBERTO PEREIRA Publicado em 11/05/2025 às 7:00

Mamãe, tão longe e tão perto!

No dia 15/5/1989, no ensejo do Dia das Mães, escrevi, com a tinta do amor, um quase poema em homenagem à minha saudosa mãe, Lila, que Nilo, meu pai, no modo coruja, publicou nas suas Notas Avulsas, então diariamente veiculadas neste jornal, o meu texto, chamando-o de poema.
“Meu filho Roberto Pereira fez para Lila o poema que transcrevo abaixo:”

De repente, o sol luzente
A flor da vida me dando a vida em flor
A voz, cantando o sono
Sonhava um mundo em mansidão.
Na parede, o relógio
Lá fora, o tempo
Horas amadas / horas somadas
Dias a mais / dias (a)menos.
Para além um horizonte à frente,
Um futuro chamando a criança nascente.
O tempo tecendo o homem,
O homem esquecendo o tempo.
Depois, os estudos e o saber,
No colégio, a vida e a escola,
Em casa, a escola da vida.
Lições e motivações a cada instante,
Cadernos e livros pelas estantes.
Gastos e gestos adolescendo o menino,
Ex-feto e todo o afeto.
No termômetro, a temperatura.
Na ação, a criança.
Febre sempre coberta de espanto,
De choro e de pranto.
A medicina caseira sem defeitos,
Uma universidade de experiência feita.
Num dia, o ano todo,
Tudo mais ou menos pouco,
Para reconhecer o ser e o padecer,
Deixando, como deixo, nesta homenagem
A lembrança do filho,
Que, de filho, nunca se cansa!

Escusável dizer que mamãe muito se emocionou, porque era deveras sensível aos gestos humanos, ternos e fraternos.

Neste quase poema, tentei, com rápidas pinceladas, pintar minha mãe, expressão viva da generosidade, da ternura e do carinho, com a doçura de sua essência.
Estava sempre presente à vida dos seus seis filhos, cuidando e zelando por nossa saúde. O termômetro em punho era a permanente vigilância, aferindo as temperaturas numa época em que bastava um estado febril e a criança já estava acometida de alguma doença de menor leveza à saúde. Aí se dava o combate à alteração da temperatura: banho morno e sono, à noite, agasalhado por um lençol, duas iniciativas depois combatidas pela medicina vigente.

A canção Força Estranha, de Caetano Veloso, me traz de volta à doce meninice, quando me enxergo: “Eu vi um menino correndo / eu vi o tempo brincando / Do caminho daquele menino.”
Este menino sou eu!

Eu e quem mais tenha guardado na sua memória as ternuras do mundo encantado da infância, tempo e espaço recriados pelas reminiscências do que passou sem passar, imagens que ficam guardadas nas retinas dos nostálgicos das canções de ninar, dos colos acolhedores dos ombros acolchoados pelo amor materno.
Chamo o poeta Mário Quintana e declamo o que esplendeu de sua alma: “Mãe! São três letras apenas / As desse nome bendito: / Três letrinhas, nada mais.../ E nelas cabe o Infinito / E palavra tão pequena / – confessam mesmo os ateus – / É do tamanho do Céu! / E apenas menor que Deus...”
Ninguém melhor do que os poetas para, com as suas sensibilidades e os seus poemas de amor, expressarem o significado das mães junto aos seus filhos e filhas.

Para Sempre, de Drummond, é a exortação e a exaltação, junto ao Pai Celeste, à presença eterna das mães, no universo dos seus nubentes: “Por que Deus permite / que as mães vão-se embora? / Mãe não tem limite, / é tempo sem hora, / luz que não apaga / quando sopra o vento / e a chuva desaba, / veludo escondido / na pele enrugada, / água pura, ar puro, / puro pensamento. ...”

Ficou nas pupilas dos brasileiros, diante do silêncio consternado de parentes e fãs, a pessoa humana de Roberto Carlos, homenageando a sua mãe, Laura Moreira Braga (1914-2010), no seu último adeus, no cemitério Jardim da Saudade, no Rio de Janeiro, no dia em que o Rei estava completando os seus 69 anos de idade.

Diante da irreparável perda, Roberto cantou baixinho os versos de Lady Laura, música que compôs para ela em 1976.

O padre Antônio Maria, ao fazer a encomenda do corpo, cantou a música Nossa Senhora, de autoria do Rei, que ficou abafado sequer conseguindo olhar o caixão descer à sepultura.
Não quero, neste dia de alegria, trazer lágrimas aos possíveis leitores deste meu artigo. O contentamento deve ser às mães vivas, mas também às que se foram, deixando, no lado esquerdo dos nossos corações, a magia da criança que fomos e que cresceu no adulto, graças aos carinhos de mãe, espécie de leite da ternura humana.

À mãe dos meus filhos e à filha e noras, mães dos meus netos, o beijo que acaricia o mundo mágico dos descendentes que brotaram das sementes do amor.
Às mães do Brasil e do mundo, as nossas homenagens e orações, que reine justiça social e paz em todos os quadrantes deste nosso planeta, única forma de deixar felizes aquelas que se multiplicaram nos seus afagos maternais.

Que não haja aviltamento à dignidade das mães, às vitimadas pelas injustiças sociais, como está expresso no poema Seca de As Rédeas da Solidão, do poeta José Mário Rodrigues, no seu livro O voo da eterna brevidade, quando ele diz: “O sol disseca as vísceras. / Só a fome é plenitude. E rolando pelas estradas / de barro vermelho / a voz do menino. / ‘”Mãe, no céu tem pão?’”

Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo (Abevt).

 

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