Previsibilidade orçamentária: alicerce para a soberania nacional
"Ao chefe não cabe ter medo das ideias, nem mesmo das ideias novas. É preciso, isso sim, não perder tempo, implantá-las e realizá-las até o fim".

Uma das missões do Centro de Estudos Estratégicos do Exército é pensar o futuro da Força. Dentre os temas estudados, destacam-se as mudanças geopolíticas que refizeram a balança de poder mundial e a aceleração tecnológica que impacta os sistemas de defesa dos países.
Durante essas reflexões, um oficial lembrou a frase do General da Reserva Eric Shinseki, ex-Chefe do Estado-Maior do Exército dos Estados Unidos, proferida em palestra a veteranos no início da década de 2010:
— "Se vocês não gostam de mudanças, vão gostar menos ainda da irrelevância".
Havia uma resistência às mudanças nas diretrizes estratégicas e operacionais propostas pela Força e muitos oficiais, em especial os da reserva, chegavam a criticá-las veementemente.
No mês passado, os Estados Unidos anunciaram mais uma transformação em seu Exército. Não é uma novidade, sendo natural naquele país rever posturas doutrinárias de tempos em tempos.
Segundo os propositores da nova diretriz, a modernização é imperativa frente às rápidas transformações dos campos de batalha (conflitos como os da Ucrânia e de Gaza servem de exemplo) agora marcados pelo uso intensivo de inteligência artificial e sistemas autônomos. Diante desse cenário, o objetivo é redesenhar o Exército americano, com um efetivo reduzido, forças mais ágeis e alto grau de tecnologia empregada.
Entre as mudanças anunciadas estão a adoção de novos sistemas de armas, o uso crescente de drones e a fusão de estruturas internas.
No plano geopolítico, amplia-se a presença dos Estados Unidos na Ásia, ao passo que se reduzem as responsabilidades na proteção da Europa.
No Brasil, a disposição para mudar também é uma virtude cultivada pela Força Terrestre. O Marechal Castello Branco, quando Chefe do Estado-Maior do Exército, já afirmava:
— "Ao chefe não cabe ter medo das ideias, nem mesmo das ideias novas. É preciso, isso sim, não perder tempo, implantá-las e realizá-las até o fim".
Com base nesse espírito, o Exército Brasileiro, desde a década de 2000, compreendeu ser necessário iniciar um processo de transformação voltado à modernização e à adaptação às demandas estratégicas e aos desafios geopolíticos contemporâneos.
A recente proposta de transformação, alinhada ao Sistema de Planejamento do Exército, abrange o período de 2024 a 2039, definido como marco temporal para sua consolidação. A iniciativa recebeu o codinome FORÇA 40.
Ao longo desse percurso, a Força será equipada com meios tecnologicamente avançados — como inteligência artificial, segurança cibernética, sistemas de armamento de energia dirigida e logística de última geração —, numa direção semelhante à proposta americana.
A iniciativa também prevê uma reestruturação organizacional, que tornará as unidades mais ágeis e eficazes, aptas a operar em todo o espectro dos conflitos modernos.
Entretanto, quer estejamos tratando das Forças Armadas brasileiras ou das norte-americanas, essas transformações exigirão consideráveis investimentos financeiros.
Nos Estados Unidos, cuja economia permanece como a mais robusta do planeta, esse desafio é mais facilmente superado. Já no Brasil, deparamo-nos com um verdadeiro nó de Górdio: a ausência de previsibilidade orçamentária para dar continuidade a projetos estruturantes, deixando o orçamento de defesa vulnerável aos solavancos econômicos e ideológicos que o país tem enfrentado.
Nesse contexto, em recente palestra a empresários em São Paulo, o Chefe do Estado-Maior do Exército, General Richard Fernandez Nunes, destacou a importância da aprovação da chamada "PEC da Previsibilidade". A proposta fixa um percentual da receita corrente líquida, que será revisto gradativamente, compatível com as necessidades relacionadas à segurança e à defesa nacionais.
Do ponto de vista econômico, trata-se de um salto significativo rumo a uma capacidade real de dissuasão frente à cobiça de adversários atentos às nossas riquezas.
Contudo, para enfrentarmos esse desafio, também será necessário mobilizar um aspecto vital, muitas vezes negligenciado pela sociedade brasileira: compreender que segurança e defesa nacionais são essenciais à preservação de valores, patrimônios e tradições, e que a ampulheta do tempo é cruel com aqueles que as renegam.
Relembrando o General Shinseki, pela irrelevância diante da resistência a mudanças, corremos o risco de sermos confundidos com peões descartáveis no xadrez jogado pelas grandes potências.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Rserva