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O médico e a liberdade prescritiva

A liberdade do médico acaba onde começa o direito do paciente que confia e espera ser tratado tendo como base as evidências científicas.

Por SÉRGIO GONDIM Publicado em 09/05/2025 às 0:00 | Atualizado em 09/05/2025 às 9:10

Para quem não é da área, pode ser difícil entender as controvérsias e incertezas que existem sobre problemas médicos comuns. Em tempos de inteligência artificial e divulgação em massa dos grandes avanços em doenças complexas, basta consultar o Google para sair opinando sobre hipertensão arterial, diabetes, asma, vitamina D e tantos outros, sem distinguir o que é verdade científica ou uma simples opinião, teoria, hipótese, pitaco ou até um delírio.

Usando como exemplo a vitamina D, é perceptível a surpresa das pessoas ao serem informadas de que os maiores especialistas, revisores e editorialistas do mundo classificam o assunto como controverso, repleto de dúvidas aguardando resultados esclarecedores. Não há consenso sequer sobre qual o nível ideal dessa vitamina no sangue e pesquisadores chegam a questionar se o tipo de exame utilizado realmente espelha o papel biológico da vitamina, sugerindo que a técnica utilizada pode ser inadequada.

A vitamina D passou a ocupar as páginas das revistas médicas depois que dados estatísticos mostraram relação entre o que seria nível baixo da vitamina e maior incidência de doenças autoimunes, alguns tipos de câncer, doenças ósseas e cardiovasculares. Prescrições lógicas e bem-intencionadas passaram a ser feitas rotineiramente, com a expectativa de que pudessem evitá-las. Como é um medicamento seguro se usado em doses corretas, foi incorporado amplamente, mas com o tempo ficou demonstrado que, apesar de lógica, a reposição da vitamina não reduziu a incidência de tais doenças e chegamos ao ponto em que atualmente importantes sociedades de especialistas recomendam que pessoas saudáveis não deveriam fazer o exame laboratorial como rotina.

Esse fato histórico faz refletir sobre a prescrição de tratamentos sem comprovação de segurança e eficácia. Seguindo com o exemplo da vitamina, conclusões rápidas, superficiais e até partidárias, sem nenhum estudo consistente demonstrando resultados positivos, poderiam fazer com que pacientes com lúpus, câncer, imunodeficiência, fadiga e tantas outras doenças, até viroses, fossem tratados com doses diferenciadas de vitamina D, chegando ao ponto de exposição à níveis tóxicos capazes de provocar dores, desmineralização óssea, hipercalcemia e fraqueza, sem nenhum benefício.

Os pacientes sabem que houve um tempo em que repouso e restrições dietéticas eram recomendados empiricamente para tudo, até quando a ciência demostrou que não era bem assim. O pêndulo inverteu e suplementos alimentares passaram a ser prescritos para tudo e todos, mesmo se bem nutridos, enquanto pacientes clamam aos céus querendo proteção para que recebam só o que de fato precisam. Esperam prescrições baseadas no conhecimento obtido através de estudos envolvendo as várias importantes universidades do mundo, sendo mais do que simplesmente bem-intencionadas. Entendem que assim não ficam expostos ao empirismo individual ingênuo e à tratamentos baseados em teorias não testadas. Consideram que submeter as prescrições às conclusões da ciência, acima de significar perda de liberdade prescritiva do médico, lhes confere autoridade.

Sabem que a liberdade do médico acaba onde começa o direito do paciente que confia e espera ser tratado tendo como base as evidências científicas.

Sérgio Gondim, médico

 

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