Santo Amaro, 50 anos depois
O atual regramento urbanístico do Plano Diretor responde à ousadia de quase cinquenta anos. E o Santo Amaro lá de cima abre o sorriso...

Em 1980, quando na Empresa de Urbanização do Recife, convidei os arquitetos Alexandre Castro e Silva, Alexandre Maçães, Carlos Fernando Pontual e Jeronimo Cunha Lima para pensarmos sobre a Rua da Aurora em Santo Amaro - dispunha de água, energia, comunicação, sistema viário e centenas de hectares subutilizados. Ali a função social da propriedade não acontecia. Elaboramos o Plano Urbanístico de Renovação Urbana Santo Amaro I, em uma área de terreno de mais de 100.000 metros quadrados de uma fábrica abandonada.
O produto contemplava um conjunto de atividades que se complementavam (habitação - 1.000 unidades em cinco tipos diferentes, comércio, hotelaria, esportes, praça pública, gastronomia, empresariais, teatro, cinema, escola e creche), bem como o gabarito de mais de 40 pavimentos.
O Plano de Renovação foi apresentado ao mercado imobiliário para promover estudos e sua viabilidade. Curiosamente, a análise do empreendimento foi considerada interessante "mas em Santo Amaro, ninguém quer", afirmaram os construtores.
Hoje, quase 50 anos depois, temos o renascimento de um tempo que se foi. As pessoas querem morar na borda do Estuário, de frente para o mar, no Centro da Cidade Metrópole. Ali está o perfil urbano da cidade viva que ocupa vazios estratégicos. Lá está o Santo Amaro que tantos querem.
Importa reconhecer que o bairro de Santo Amaro surgiu como a expansão natural do Porto do Recife, local adequado para o "distrito industrial e logístico" nos dias de hoje. E assim foi, na borda do Estuário dos Rios Capibaribe e Beberibe que se "juntaram para formar o Oceano Atlântico."
As indústrias, em maior escala, e os armazéns de guarda e distribuição de mercadorias que vinham de além-mar, estavam assentados no traçado geométrico entre a Rua da Aurora e a Avenida Cruz Cabugá. O Porto do Recife era atrator dessa conjugação pela sua proximidade. Quando a Ponte do Limoeiro foi implantada, sua serventia não era mais relevante para o Distrito de Fábricas e Armazéns, entretanto seu uso atendeu à mobilidade urbana. O Porto enfraquecido perdeu a atratividade, aliada ao adensamento do Centro da Cidade, não cabia nem o trem, nem os caminhões de carga, seja para as fábricas, seja para mercadorias que aportavam em pequenos navios.
E Santo Amaro foi sendo ocupado devagarinho por habitantes de baixa renda na borda dos riachos entremeados de manguezais. Permanecia o vistoso e exclusivo equipamento do "post-mortem" - o Cemitério. E aí, o bairro foi ficando quieto, subocupado apesar de sua localização estratégica.
O processo de adensamento populacional transformou parte do bairro em aglomerado urbano objeto de intervenção já nos anos 40. Numa tentativa de oferecer moradia em substituição aos mocambos - surgiu o Serviço Social Contra o Mocambo, criado por Agamenon Magalhães. Entretanto o seu inovador objetivo não foi capaz de superar a pressão urbana. O bairro transformou-se na maior área da cidade para acomodar os chegantes em busca de vida melhor. O Cemitério não os afastava. Ali ficariam como ele, em paz. E assim foi, na borda oeste, ao Iongo da Salgadinho e do Canal Derby Tacaruna até os tempos recentes.
Entretanto, o Recife transbordou para criar juntamente com Olinda e os municípios vizinhos, a metrópole das quatro milhões de pessoas. E, não por acaso, se redescobre o antigo território e seus velhos armazéns ociosos.
No primeiro momento com poucos edifícios de mais de 12 pavimentos, na Rua da Aurora, proximidade da Rua Mário Melo, em meados do século XX. Pois bem, na atual década, o bairro de Santo Amaro, após um período de travamento urbanístico equivocado, se abre aos habitantes da Metrópole. A Rua da Aurora tem outra paisagem na borda do Estuário - moradia verticalizada em edifícios de uso misto, habitacional e serviços com mais de quarenta pavimentos. A renovação decorrente da disponibilidade das grandes glebas originais vazias se incorpora ao mercado imobiliário convivendo com o Cemitério e as famílias que residem em Santo Amaro.
O atual regramento urbanístico do Plano Diretor responde à ousadia de quase cinquenta anos. E o Santo Amaro lá de cima abre o sorriso, pois ainda é tempo de sonhar e fazer acontecer.
Paulo Roberto Barros e Silva, desenhista