Ingrid Zanella e Danilo Heber: A advocacia não deve pagar para ser ouvida
Decisão proferida recentemente por juízo de primeiro grau desconsiderou completamente o teor do Código de Processo Civil. Leia no artigo

Quando o Estado nega a advocacia o próprio direito de cobrar por seu trabalho, não há Justiça possível. Decisão proferida recentemente por juízo de primeiro grau desconsiderou completamente o teor do Código de Processo Civil, que garante ao advogado e advogada o direito de postergar o pagamento das custas processuais em ações que visam à cobrança de seus honorários.
Ao declarar a inconstitucionalidade do dispositivo sem provocação das partes — e pior, sem fundamento concreto —, o juízo impôs um ônus desproporcional à advocacia. Em vez de reconhecer a natureza alimentar dos honorários e a proteção que a lei lhes confere, optou-se por dificultar ainda mais o acesso dos profissionais à Justiça, criando uma barreira financeira inaceitável.
Diante dessa distorção, a OAB Pernambuco interveio de forma firme, sendo admitida como amicus curiae no recurso interposto. O Tribunal de Justiça de Pernambuco, com maturidade institucional e rigor técnico, reconheceu a omissão da decisão anterior e corrigiu o rumo do processo. Em decisão acertada, o relator acolheu os embargos com efeitos infringentes, garantindo que o processo de cobrança de honorários siga seu curso sem a exigência do pagamento antecipado das custas.
Mais do que isso: reconheceu que a constitucionalidade do art. 82 do CPC é matéria de ordem pública, que deve ser analisada de ofício. A Justiça, neste caso, reencontrou seu equilíbrio — e com ele, reafirmou a dignidade da advocacia. Não se tratava de uma exceção isolada, mas sim do sintoma de algo mais grave. Uma tentativa de deslegitimar o caráter alimentar dos honorários advocatícios e, por consequência, o valor da nossa profissão.
A decisão — firme, técnica e equilibrada — fortalece a Justiça porque recoloca o debate no seu devido lugar: o mérito. E garante à advocacia o direito de lutar pelos seus honorários sem ser obrigada a pagar, previamente, para exercer esse direito.
A OAB Pernambuco estava atenta e pronta para atuar com firmeza. De pronto, apresentamos o nosso parecer jurídico reafirmando que o CPC não é uma benesse indevida. E desconsiderar essa norma é, em última instância, uma tentativa de invisibilizar o valor do trabalho da advocacia — especialmente daqueles que atuam de forma autônoma, em contextos de vulnerabilidade ou fora dos grandes centros.
Estamos falando de mais do que uma vitória pontual. O caso reafirma o papel da OAB como guardiã das prerrogativas profissionais. Prerrogativa não é privilégio. É condição de trabalho. É ferramenta para garantir que os advogados e advogadas tenham as mínimas condições de atuação. E quando as prerrogativas são violadas, o que está em risco não é o interesse da advocacia — é o acesso à Justiça de toda a sociedade.
A valorização da nossa profissão passa, necessariamente, pelo respeito à sua justa remuneração. Honorários não são um detalhe burocrático ou um tema secundário. Eles representam o reconhecimento material do trabalho técnico, responsável e indispensável que exercemos diariamente em defesa de direitos dos cidadãos e cidadãs.
Negar ou dificultar seu recebimento é negar a dignidade da profissão. Por isso, cada decisão que reafirma esse direito é mais do que uma vitória individual: é um avanço institucional na construção de uma Justiça que respeita quem dela faz parte. A advocacia valorizada é condição para uma sociedade mais democrática e humana.
Ingrid Zanella, presidente da OAB-PE, e Danilo Heber, procurador de defesa dos honorários da OAB-PE