Gustavo Figueirêdo: Dialocência
Com a minissérie – Adolescência – que vem sendo veiculada pela Netflix e causando grande repercussão - veio-me a vontade de discorrer sobre

Acredito que nunca tenhas ouvido falar nesta palavra – dialocência – que é a junção de: diálogo + adolescência. Com a minissérie – Adolescência – que vem sendo veiculada pela Netflix e causando grande repercussão; após assisti-la, veio-me em mente à vontade de discorrer sobre o assunto com a proclamação desse título.
De cara, lembrei logo da filósofa alemã: Hannah Arendt; onde pontua no livro dela – A Condição Humana – sobre a falência da conjuntura humana. Diante de uma situação sistêmica, através do inconsciente coletivo, e pessoal; a humanidade vem padecendo. Com a vida frenética que a maioria optou por abraçar, o ser humano vem vivenciando sinais de consequências negativas em suas vidas.
A minissérie vem nos demonstrar alguns sinais a respeito. E de antemão, gostaria de abrir um parêntese, o que vem ser pontuado aqui, não se trata de enxergar culpados. De forma alguma! E sim, apenas, com intuito de ascender reflexões. Com isso, tudo que for citado aqui, será absolutamente com muito respeito. Mas, com muito respeito mesmo!
Para mim, enquanto profissional da saúde mental, o sinal principal que a minissérie pôde ter deixado claro foi: o falecimento da acuidade aos filhos. Um pai que sai às seis da manhã para trabalhar e só retorna para o seu lar às oito da noite. Atitude, infelizmente, comum para muitos brasileiros. Muitas vezes, por mera necessidade. Um pai assim, não tem como ser presente na vida do filho. No entanto, segunda à psicanálise, inconscientemente, quando a função paterna é fragmentada; geralmente, quem assumi é o Estado. E esse assumir, como visto no primeiro episódio, representada pela força policial.
Entretanto, com o advento das telas, onde o filho Jamie passava grande parte do seu dia, trancado no quarto, diante de um “terreno” vulnerável chamado internet; só ele sabia o que dali, do mundo virtual, vivia. E outra! O que uma criança de treze anos, sem aos cuidados dos responsáveis, fica perambulando, na rua, à noite?
Por se tratar de um jovem, certamente a minissérie mexeu conosco pais, assim como mexeu com toda a equipe mobilizada de segurança pública do elenco. O inspetor que ali estava exercendo a “função paterna”, através do seu labor; não sei se perceberam, mas também não era presente na vida do filho. Não sabia nem que o filho tinha aula de outro idioma. E tinha, sentimentalmente, a fama de passar a mão na cabeça do mesmo.
A colega psicóloga, que ia visitar o jovem, no centro de ressocialização, será que atuou corretamente, diante do chilique que o mesmo fez, em oferecê-lo chocolate quente, na ocasião? Certamente, o que houve, foi um reforço, da falta de limites que Jamie cultivava desde o pretérito.
Não obstante, parece-me que, com a contaminação sistêmica que a humanidade vem recebendo, será que não estejamos necessitando de ir mais em busca das questões espirituais que, a definição de saúde mental propaga no livro – Saúde Mental Enquanto Há Tempo! – como sendo: “o nosso bem-estar bio-psíquico-social-eco-tecno e espiritual.” O trabalho espiritual proporciona, no nosso ser, vigilância.
Em se tratando de vigilância, deixa eu contar uma experiencia que passei: certo dia, encontrei com um conhecido, que por sinal é uma pessoa muito benquista, muito educada e gente boa; onde na ocasião, batíamos um papo breve, sobre política partidária. Enfim, comungamos da mesma ideologia partidária. O diálogo transitava a respeito das supostas falcatruas da oposição. Ou seja, estávamos pontuando supostos erros dos adversários políticos.
Esse conhecido trabalha num grande centro comercial, onde no momento, o estacionamento passaria a ser cobrado. O mesmo veio me sugerir, entendi que foi com as melhores das intensões, que o dia que eu quisesse estacionar o carro lá, sem realizar compras, eu poderia procurá-lo, que o mesmo isentaria, através de um carimbo, o pagamento do estacionamento. Obviamente que agradeci, mas sai de lá pensando: jamais farei isso! Ora! Estávamos, há pouco, pontuando os supostos erros dos outros (oposição partidária); e eu, com a devida isenção de pagamento, exercer o mesmo? Claro que não! Vigiai-nos!!! Principalmente na presença dos filhos.
E em se tratando de filhos, os meus (trigêmeos) estão estudando numa nova escola. Estabelecimento de ensino, pedagogicamente falando, de excelência. Na recepção, existe um monitor, divulgando todas as premiações, nacionais e internacionais, que pedagogicamente a escola já recebeu. De fato, é muito boa! Porém, dos três, apenas uma que já se adaptou com a sistemática pedagógica da escola. Por conta disso, certo dia, prontifiquei-me de ir conversar com a coordenação, para pensarmos em uma melhor solução de adequação para os outros dois filhos. Mas, o que a escola veio me sugerir, foi uma carga de estudo e afazeres domésticos (para adquirir disciplina e responsabilidade), para esses pré-adolescentes, que adentravam pelo final de semana. Detalhe! Em nenhum momento, foi visualizado como sugestão pela coordenação, a parte lúdica. Na reunião de pais, a escola deu como inspiração, a leitura do livro: Geração Ansiosa. Excelente obra!
Nesta, o autor presa pelo lúdico das gerações passadas; em detrimento, da geração atual; onde, diga-se de passagem, o brincar, na maior parte do dia, é via virtual. Meus filhos, Graças à Deus, ainda não tem celular.
Agradeci para coordenadora, onde a mesma foi muito gentil. Mas, enquanto pai e profissional da saúde mental, saí da escola bem reflexivo. Diante dessa exigência sistêmica que o mundo está cada vez mais antecipando, com acúmulos de afazeres, e aquisição de responsabilidades; pensei: dentro do meu lar, sou eu e minha esposa, que sabemos como disciplinar e adquirir responsabilidades aos nossos filhos. A escola não pode ditar, por não conhecer a dinâmica da casa; e também por não ser algo da responsabilidade dela. Do contrário, caso fosse acatado, provavelmente, apenas iriam alimentar os pixels do monitor da recepção. Situação que muitos pais vêm tentando terceirizar como responsabilidade; onde quem deveria, apenas, lecionar.
Com isso, a quantidade de jovens que vêm sendo diagnosticados por diversas enfermidades emocionais, vem fugindo do controle. O ano passado, encontrei uma ex-professora que, relatou: mais da metade dos alunos que ela ensinava, faziam uso de medicamento de tarja preta. Por fim, caro leitor, eis a questão! Você tem dialogado com os seus filhos?
Gustavo Figueirêdo, especialista em Saúde Mental e Psicólogo Clínico