Guerra comercial: perdas e danos
A extensão das perdas, inclusive para os EUA, vai depender da reação dos países, das sociedades, dos agentes econômicos e da volta do bom senso.

Um princípio basilar do Comercio Internacional é que numa imposição generalizada de tarifas só há perdedores. Essas tarifas são distintas daquelas seletivas que são aplicadas para alguns setores da economia como fruto de negociações reguladas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Isso porque, em geral, há retaliações às aplicações intempestivas de tarifas que podem escalar com efeitos devastadores sobre as economias nacionais e o comércio global.
A política tarifária de Trump, o Presidente-Empresário da maior economia do planeta, tem fortes conotações nacionalistas e populistas. Essa política-uma versão contemporânea do neo-mercantilismo do século XIX- objetiva trazer de volta para os EUA, sobretudo na indústria manufatureira, empregos que foram exportados pelo processo de globalização das cadeias produtivas, mas que faziam parte da nova ordem internacional gerada logo após a Segunda-Guerra Mundial (1939-1945) que trouxe uma prosperidade ímpar, infelizmente com crescentes desigualdades, para os EUA e para boa parte do mundo apesar dos custos geopolíticos e humanos da Guerra Fria estabelecida entre os grandes vencedores do conflito.
Convém lembrar que nas décadas dos vinte e dos trinta do século passado, a imposição desvairada de tarifas contribuiu para a Grande Depressão de 1929 e criou as condições econômicas e políticas para o surgimento do nazifascismo que lançou o planeta na mais devastadora guerra de sua história. Depois da II Guerra , o multilateralismo avançou sob a liderança do novo Sistema das Nações Unidas quando foram criadas organizações como a OMC e a OMS (Organização Mundial da Saúde), entre outras. Rodadas de negociações tarifárias como a Rodada Doha foram também concebidas para regular os crescentes fluxos de comércio de forma a trazer benefícios para todos os participantes de um mundo crescentemente globalizado e integrado.
Trump está destruindo essa ordem e não se sabe o que vem em seu lugar. O fato é que a própria economia estadunidense irá sofrer impactos significativos com disrupção de cadeias produtivas, mudanças bruscas de preços relativos, desemprego e choques inflacionários. A chance de estagflação não deve ser descartada. A OCDE estima que a imposição de uma tarifa adicional de 10% conduzirá a uma queda de 0,75% no PIB dos EUA, maior do que em todos os grandes players comerciais dos Estados Unidos, exceto o México (1,25%). Todavia, 10% foi a tarifa mínima que foi aplicada às importações procedentes do Brasil e a de outros países. A da China, com as retaliações em curso, deve se elevar para 104%. União Europeia, Canadá, Japão e Índia, Vietnã e outros países asiáticos como Vietnã e Coreia do Sul receberam tarifas bem mais altas. Portanto os impactos sobre as economias desses países, medidos pela queda do PIB, serão muito superiores às que a OCDE estimou com base na tarifa mínima de 10%.
O objetivo de trazer de volta para os Estados Unidos empregos que hoje estão no exterior exigirá vultosos investimentos e tempo não só para maturar a decisão, mas sobretudo para implementá-la. Ninguém garante que daqui a quatro anos quando se extinguir, de acordo com a legislação vigente, o mandato de Trump que essas tarifas permaneçam no lugar. A politica tarifária está gerando uma elevada incerteza, condição que paralisa os agentes econômicos, sobretudo os investidores que necessitam avaliar os riscos antes de aplicar seus recursos em novos negócios. Quando os investimentos devidos às incertezas e ao medo não são realizados, a capacidade produtiva da economia fica reduzida, comprometendo o seu crescimento. Isso significa que além das disrupções nas cadeias produtivas globais essa guerra tarifária deverá reduzir as taxas de crescimento das principais economias do mundo bem como sua eficiência ao ignorar o princípio das vantagens comparativas que levam, por exemplo, uma roupa produzida nos EUA ser mais bem cara do que se fosse produzida no Vietnã.
Essa inconsequente politica tarifária ao romper a ordem econômica internacional gestada no pós-guerra, traz perdas de eficiência e de bem estar, comprometendo o crescimento da economia global e a qualidade de vida de bilhões de pessoas no planeta. A extensão das perdas, inclusive para os EUA, vai depender da reação dos países, das sociedades, dos agentes econômicos e do restabelecimento do bom senso econômico suportado por princípios basilares que governam o comércio internacional.
Jorge Jatobá, doutor em Economia, professor titular da UFPE, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco, presidente do Conselho de Honra do LIDE-PE, sócio da CEPLAN- Consultoria Econômica e Planejamento