Gustavo Krause: dicionário de ecologia política
A partir da Conferência Sobre o Ambiente Humano (Estocolmo,1972), a questão ambiental passou a ser considerada não mais como uma externalidade

Recebi do meu gentil amigo e mestre Clóvis Cavalcanti um valioso presente: o “DICIONÁRIO DE ECOLOGIA POLÍTICA” (Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2024). Os livros ou textos de conferências com que fui brindado, ao longo do tempo, têm o selo da qualidade do bem pensar ao desafiar certezas com dúvidas criativas e sempre mirando o futuro.
E não é de agora. Em 1981, recebi a obra “O negócio é ser pequeno” de autoria de E. F. Schumacher (1911-1977) cujo subtítulo, “um Estudo de Economia que leva em conta as pessoas”, é uma espécie de “estrela-guia” para enxergar além da noção linear de progresso e que a natureza não é uma cornucópia infindável de riqueza (a data original do livro em inglês é 1972 com as três primeiras edições pela Zahar em 1977, 1979 e 1981).
Com o título, DESENVOLVIMENTO E NATUREZA: Estudos para uma sociedade sustentável/ Clóvis Cavalcanti, Organizador – São Paulo: Cortez; Recife, PE, Fundação Joaquim Nabuco, 1995, fui distinguido com uma consistente coletânea de textos de mais de duas dezenas de respeitáveis pesquisadores, cientistas sociais e grandes pensadores.
Na mesma linha, em 1997, Clóvis organizou mais uma notável coletânea com mais de três de dezenas de autores intitulado MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO, SUSTENTÁVEL E POLÍTICAS PÚBLICAS (São Paulo: Cortez: Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1997) que, até hoje, me serve como fonte de conhecimento e revela a consciência da minha crescente ignorância.
Deixei, por último, a referência ao texto que o ilustre Professor apresentou no Simpósio sobre “As Bases Ecológicas do Desenvolvimento: A Socio-Economia da sustentabilidade” na 47ª Reunião Anual da SBPC, realizada em São Luís 9 - 7 de julho de 1995.
Trata-se de um “paper”, cuidadosamente guardado, amarelecido pelo tempo e rejuvenescido pelo brilho das ideias nele contidas. O título é “CONDICIONANTES BIOFÍSICOS: SUAS REPERCUSSÕES SOBRE A VISÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL”.
Na abertura, o economista ecológico estadunidense, Herman Daly (1938-2022), em síntese genial revela nosso impasse civilizacional “Vive-se, hoje, num mundo com características cada vez mais próximas do congestionamento de espaço do que da amplidão do vazio”.
Estudioso, também, da obra do economista e matemático romeno Nicholas Georgescu-Roegen, (1906-1994), Clovis, economista ecológico, Professor da UFPE, pesquisador emérito da FUNDAJ, ex-presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE) e presidente de honra de Sociedade Brasileira de Economia Ecológica – ECOECO, segue o Prof. Nicholas ao fundamentar a inevitável degradação dos recursos naturais com base na segunda lei da termodinâmica, a Lei da Entropia.
A partir da Conferência Sobre o Ambiente Humano (Estocolmo,1972), a questão ambiental, um assunto periférico e no contrafluxo do crescimento econômico como um bem a qualquer custo, passou a ser considerada não mais como uma externalidade, mas um custo efetivo ao processo de produção de bens, tornando-se um desafio estratégico para a integridade planetária. No entanto, não foi o suficiente para domesticar o modo capitalista de produção que gerou uma afluência nunca vista e dois passivos monumentais: o ambiental e a desigualdade social. A fome existe e convive com uma Natureza assustadoramente escassa.
Ao me deparar com o Dicionário de Economia Política, tive uma enorme satisfação. Pensei que seria mais adequado, usar o título de enciclopédia face a dimensão dos conhecimentos; depois imaginei que verbete era pouco para tratar os temas. Poderiam ser chamados de ensaios. Ao final, desconsiderei preciosismos semânticos. Neste sentido, os números são expressivos na construção do Dicionário: 112 autores intelectualmente reconhecidos; 31 universidades; 16 movimentos sociais e populares; 11 países latino-americanos, 7 organizadores e 715 páginas.
De outra parte, os autores estão legitimados para o que se propõem, independente de preferências político-ideológicas; estabeleceram premissas e, em vez de capítulos, dividiram o Dicionário em “tramas” porque permite a “leitura corrida” ou uma leitura articulada aos aspectos subjacentes na abordagem dos verbetes.
As quatro tramas refletem o diálogo dos saberes, um olhar multidisciplinar do conhecimento, visões distintas para os fenômenos naturais e socioculturais. Emerge, daí, a defesa de uma cosmovisão, assentada na unicidade Homem/Natureza, um novo paradigma que supere o estilo de vida fundado na cisão entre o humano e a biosfera.
Certamente, os negacionistas vão detestar o Dicionário. O debate sobre possibilidade de sobreviver à degradação ambiental contraria o poder político que dá sustentação à civilização fóssil. O Planeta não suporta as pegadas ecológicas do sistema produtivo que o dilacera. O “desenvolvimento sustentável” foi ultrapassado pela vertigem do consumo.
Por absoluta necessidade de sobrevivência, cabe uma profunda reflexão sobre o “Decrescimento”, termo criado em 1972 pelo ecologista alemão André Gorz (1923-2007), como projeto de sociedade em que as pessoas possam compartilhar a “abundância da frugalidade”. Em tempos sombrios, não custa embarcar numa utopia. A propósito, a COP30 será uma oportunidade para difundir, debater e lançar luzes sobre uma obra coletiva de grande valor frente às ameaças concretas das mudanças climáticas.
Gustavo Krause. ex-governador de Pernambuco