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A Guerra dos 12 dias e a relação Israel-Irã: a nova geopolítica pós-7 de outubro

O novo regime teocrático iraniano rompeu relações com Israel, adotando uma ideologia antissionista baseada na visão de Israel como inimigo

Por Antonio Henrique Lucena Silva Publicado em 24/06/2025 às 18:29

A relação entre Israel e o Irã teve seus altos e baixos ao longo da história. Inicialmente, os dois países colaboraram com base em interesses comuns durante a era do xá Mohammad Reza Pahlavi, dentro da chamada "Doutrina da Periferia" de Israel, que buscava aliados não árabes para contrabalançar a hostilidade aberta dos países árabes no Oriente Médio. Essa relação era pragmática, centrada na cooperação energética, militar e de inteligência — como exemplificado pelo projeto do oleoduto Eilat-Ashkelon e pelo “Project Flower”.

A Revolução Islâmica de 1979 mudou drasticamente essa dinâmica. O novo regime teocrático iraniano rompeu relações com Israel, adotando uma ideologia antissionista baseada na visão de Israel como inimigo religioso e político. Nos anos 1990 e 2000, a rivalidade assumiu a forma do que se chamou de “guerra nas sombras”. O Irã promoveu o “Eixo da Resistência”, apoiando grupos como o Hezbollah — já na década de 1980, durante a Guerra Civil Libanesa (1975–1990) — e, posteriormente, o Hamas, a fim de atacar Tel-Aviv de forma indireta. Esses grupos funcionaram como proxies — ou seja, procuradores — na guerra de Teerã contra Israel.

Paralelamente, a República Islâmica do Irã buscou aprimorar suas forças armadas e seu setor nuclear, mesmo sob sanções internacionais. Teerã passou a desenvolver, sob a supervisão do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC), um amplo programa de mísseis balísticos, considerado o maior da região.

Os governos israelenses, por sua vez, adotaram estratégias de contenção e sabotagem, como a implantação do vírus Stuxnet e assassinatos seletivos de cientistas nucleares iranianos, com o objetivo de impedir o avanço do programa nuclear do país — considerado uma ameaça existencial. A doutrina militar israelense, conhecida como Doutrina Begin, é clara quanto aos vizinhos que buscam armas nucleares: não permitir que obtenham o artefato. Em 1981, caças israelenses atacaram o reator iraquiano de Osirak, destruindo as instalações na chamada “Operação Ópera”. Já em 2007, por meio da “Operação Pomar” (em hebraico, Mivtza Bustan), Israel atacou um reator nuclear na região de Deir ez-Zor, na Síria, que estava sendo construído com apoio da Coreia do Norte.

A partir de 2011, é possível verificar a desintegração da ordem regional vigente até então. Com o início da Primavera Árabe e da Guerra Civil Síria, o Irã intensificou sua presença militar na região, apoiando o regime de Bashar al-Assad e estabelecendo uma ponte logística até o Líbano. Em resposta, Israel lançou a estratégia da "Guerra entre Guerras" (em hebraico, Mabam), conduzindo ataques regulares contra alvos iranianos em território sírio. Em seguida, o colapso do acordo nuclear (JCPOA), em 2018 — impulsionado por pressão israelense —, eliminou restrições ao programa atômico iraniano, aumentando as tensões. A frágil ordem regional desmoronou com o ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023, cujo objetivo era evitar a normalização entre Israel e países árabes. Tel-Aviv passou a adotar uma postura ofensiva, declarando guerra formal ao Hamas com o objetivo de eliminá-lo. Ao mesmo tempo, ganhou força a ideia de atacar a “cabeça do polvo” (Irã) e seus “tentáculos” (Hamas, Hezbollah, Houthis), defendida pelo gabinete ultranacionalista de Benjamin Netanyahu.

Em 2024, o conflito deixou de ser indireto. Israel bombardeou o consulado iraniano em Damasco, matando o general Mohammed Reza Zahedi, da Força Quds — braço externo da República Islâmica que coordenava o “Eixo da Resistência”. Em retaliação, o Irã lançou mais de 300 drones e mísseis contra Israel, que respondeu com um sistema defensivo multinacional de sucesso (Arrow, David’s Sling, Iron Dome e apoio de EUA, Reino Unido, França e Jordânia). A ofensiva iraniana, voltada contra instalações militares, teve o objetivo de demonstrar capacidade de ataque. Essa ação indicou uma mudança na doutrina militar iraniana: da chamada “paciência estratégica” para a “dissuasão ativa” — que, por gerar um conflito aberto, passou a ser criticada internamente.

Recentemente, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) publicou, em 31 de maio, um relatório confidencial afirmando que o Irã estava enriquecendo urânio a 60%. A diferença entre esse nível e os 90% necessários para a fabricação de uma bomba atômica é considerada apenas uma tecnicalidade. Com o colapso de seu “eixo” — o Hamas enfraquecido na Faixa de Gaza, a liderança do Hezbollah decapitada pelos ataques israelenses, e a queda do regime Assad na Síria —, o Irã adotou uma postura mais proativa no campo nuclear. Diante desse cenário, Israel decidiu não mais esperar e deflagrou a operação “Leão em Ascensão”, com ataques às instalações nucleares iranianas. Dias depois, com a defesa antiaérea iraniana bastante degradada, os Estados Unidos — por ordem do presidente Donald Trump — lançaram bombas bunker buster contra Isfahan e Fordow, onde estavam instaladas as centrífugas. Os resultados ainda são incertos, mas é fato que o programa nuclear iraniano sofreu um duro golpe e dificilmente será retomado ao patamar anterior ao conflito num futuro próximo.

A geopolítica do Oriente Médio foi profundamente alterada pelos conflitos recentes. A ordem regional, que já vinha passando por mudanças desde 2011, sofreu um abalo sísmico com os eventos de 7 de outubro. No dia 23 de junho, Donald Trump anunciou um cessar-fogo entre Israel e Irã. O Irã se tornou o maior perdedor dessa cadeia de eventos: teve seu “eixo” desmantelado, perdeu a defesa aérea, boa parte de sua infraestrutura militar e nuclear foi destruída, e o país ficou isolado, sem o apoio ativo de aliados como Rússia e China. Com a neutralização da ameaça iraniana, espera-se que as portas para uma solução da guerra em Gaza se abram, possibilitando o retorno dos reféns e o restabelecimento — ainda que frágil — da paz.

Antonio Henrique Lucena Silva, Doutor em Ciência Política e Professor da UFPE e UNICAP

 

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