URBANISMO | Notícia

Reflexo do abandono e falta de investimento, Ilha de Itamaracá tem esperança de recuperar notoriedade do passado

Apesar de ser uma rota turística no litoral norte, a Ilha de Itamaracá esbarra no descaso e na deterioração de seu patrimônio natural

Por Thiago Freire, Laís Nascimento Publicado em 07/04/2025 às 11:05 | Atualizado em 07/04/2025 às 11:08

Ofuscadas pela deterioração, violência e falta de acesso a serviços básicos, as beleza naturais e históricas da Ilha de Itamaracá e a população têm esperança de um novo cenário em breve.

A expectativa é de que, com a desativação da Penitenciária Professor Barreto Campelo no município, o lugar que já foi um cartão-postal no estado volte a receber investimentos.

Durante 51 anos, a penitenciária impactou o turismo na região e também o investimento imobiliário. Apesar da saída do equipamento, o município ainda tem a Penitenciária Agroindustrial São João, que funciona com o regime semiaberto.

A ilha reflete problemas acumulados ao longo da história no Litoral Norte de Pernambuco: falta de infraestrutura, condições precárias e poluição.

As demandas, porém, não apagam os patrimônios de Itamaracá, como suas águas cristalinas e areias brancas, que fazem da ilha um destino paradisíaco, imortalizado em letras de Reginaldo Rossi, Lulu Santos, além da Rainha da Ciranda, Lia de Itamaracá, Patrimônio Vivo de Pernambuco.

Além dos recursos naturais, a ilha também ganhou força como cartão postal do Nordeste devido aos seus patrimônios históricos, como Vila Velha, um dos primeiros assentamentos urbanos do país, datado do início do século XVI, e o Forte Orange, uma fortaleza que remonta à colonização holandesa em Pernambuco.

O professor de Hotelaria e Turismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Elidomar Alcoforado explica que esses aspectos fazem da ilha uma potência tanto de ecoturismo quanto de turismo cultural que, combinados, deram muito certo no passado.

"A gente tem o auge da ilha na década de 1970 e, principalmente, na década de 1980", afirma. Foi nesse momento que o destino ganhou muitas residências de veraneio e investimentos de hotelaria.

Acervo Fundaj
Ilha de Itamaracá em 1880 - Acervo Fundaj

O apelo turístico tem como benefícios, além da injeção na economia local e criação de empregos, o auxílio para a manutenção de negócios locais e o estímulo a investimentos para os moradores.

Alcoforado explica, no entanto, que todo esse potencial explorado nas décadas passadas passou a perder força com a instalação da Penitenciária Barreto Campelo e a diminuição de investimentos, além da disputa com a atenção adquirida pelo Litoral Sul do estado, que começou a ganhar destaque na década de 1990.

Urbanismo desordenado

Uma demanda histórica encontrada por quem passa por Itamaracá é o urbanismo desordenado. Apesar de ser uma rota turística no litoral norte, a orla esbarra no descaso e na deterioração de seu patrimônio natural. Falta pavimentação e a coleta de lixo não é suficiente na ilha.

O município tem, ainda, um dos piores índices de cobertura e acesso ao saneamento em Pernambuco. De acordo com o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 97,7% dos domicílios não são conectados à rede de esgoto, 33,27% não têm abastecimento pela rede geral de água e 35,72% não têm coleta de lixo.

Além de ser um prejuízo para o turismo - e, consequentemente, para a economia local -, a falta de acesso a esses serviços revela a vulnerabilidade social dos moradores, que são expostos diariamente a doenças e à violação de seus direitos básicos.

O cenário de Itamaracá também é de violência. Segundo dados da Secretaria de Defesa Social (SDS-PE), em 2023, a ilha registrou 29 homicídios, e em 2024, 23, além da associação com o alto registro de roubos. Isso confere ao município de 24.540 residentes uma taxa 90,1 homicídios por 100 mil habitantes.

Para se ter uma ideia do grau de hostilidade, o Atlas da Violência de 2024, publicado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, registrou uma média nacional de 22 homicídios por 100 mil habitantes para as cidades brasileiras.

THIAGO LUCAS/ DESIGN SJCC
Itamaracá - THIAGO LUCAS/ DESIGN SJCC

A falta de regularização fundiária na região para a comunidade de pescadores artesanais e os conflitos com o setor do turismo também prejudicam a dinâmica local.

De acordo com a edição 2024 do relatório “Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil”, produzido pelo Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP), a comunidade de Vila Velha, na ilha, “tem sido marcada por uma série de problemas relacionados à especulação imobiliária e à privatização de territórios”.

O documento aponta que a privatização de áreas na localidade “tem restringido não apenas o acesso à pesca, uma atividade vital para a economia local, mas também ao turismo de base comunitária, que depende do acesso livre à trilha ecológica”.

JAILTON JR./JC IMAGEM
Levantamento indicou que falta de regularização fundiária na Ilha de Itamaracá resulta em conflitos com comunidade de pescadores artesanais - JAILTON JR./JC IMAGEM

Pontos de atenção

O professor Alcoforado afirma que, com o fechamento da Penitenciária, a expectativa é que a retomada de investimentos reaqueça o turismo em Itamaracá. Mas para isso, é preciso haja uma boa governança da ilha, ou seja, que uma coordenação entre gestão pública, trade turístico e hoteleiro e as comunidades locais.

Entretanto, ele alerta sobre a necessidade de se utilizar corretamente a estrutura do presídio, que poderia ser explorada como recurso turístico. "Se for deixado abandonado, ele pode aumentar o processo de favelização ou aumentar a insegurança, ou aumentar o descaso público e mesmo social na ilha", explica.

Um dos caminhos possíveis seria transformar o espaço em um centro cultural e explorar a proximidade da construção com a Área de Proteção Ambiental para reforçar o ecoturismo na ilha, além de integrar o espaço para beneficiar comunidades próximas, como as das praias de Enseada dos Golfinhos, do Pontal e do Sossego. 

"Ou se pega aquela estrutura e vai por um caminho de desenvolvimento sociocultural, turístico, ou vai pelo caminho do abandono", diz o professor, que também chama a atenção para necessidade de contenção do avanço do mar, um problema negligenciado por décadas que ameça bares e casas próximas às praias da região.

Ações previstas

Apesar da alta demanda de investimentos em diferentes setores para melhorar a infraestrutura urbana da Ilha de Itamaracá, alguns movimentos têm ganhado força na revitalização da área.

Com o objetivo de melhorar a mobilidade e o acesso ao município, o Governo de Pernambuco anunciou, no último mês de dezembro, que vai reconstruir a ponte de acesso à Vila Velha, com um investimento de R$ 1,3 milhão.

De acordo com a governadora Raquel Lyra, a obra se soma a iniciativas como a recuperação da PE-001, que dá acesso ao Forte Orange, e a PE-035, que chega ao Pilar.

Para o meio ambiente do município, que integra Área de Proteção Ambiental (APA) de Santa Cruz, um orçamento de R$ 1,03 milhão deve ser destinado para a conservação dos recursos naturais marinhos e costeiros, em parceria com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), pelo Projeto de Áreas Marinhas e Costeiras Protegidas (GEF Mar).

Em nota, o Governo de Pernambuco também afirmou que possui a parceria público-privada (PPP) firmada desde 2013 com a BRK para a expansão do esgotamento sanitário na Região Metropolitana do Recife. De acordo com o governo, "até o final do programa, em 2048, serão investidos cerca de R$ 8 bilhões em esgotamento sanitário nos municípios contemplados". A Ilha de Itamaracá está no planejamento das ações.

ARTHUR DE SOUZA/SETUR
Vila Velha, em Itamaracá - ARTHUR DE SOUZA/SETUR

Em uma tentativa de resgatar a notoriedade da ilha, o trade turístico também tem atuado, desde 2022, em um movimento que busca melhorar a infraestrutura de acesso e de hospedagem na região.

Chamada de Mapa Estratégico, a iniciativa prevê ações que envolvem empresários, prefeituras, governo de Pernambuco e governo federal, com a estimativa de que o litoral norte receba R$ 10 bilhões em aportes nos próximos dez anos.

Além da requalificação, o Mapa quer capacitar a mão de obra local, com a perspectiva de criação de 30 mil postos de trabalho na região.

Também para recuperar o turismo na ilha, o Governo do Estado reforçou que iniciativas como FamPress e FamTour, da Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur), buscam "evidenciar os encantos das cidades, que se destacam pela riqueza histórica e cultural, além de suas belíssimas praias".

O JC procurou a Prefeitura de Itamaracá para abordar iniciativas da gestão para o município e até o fechamento desta matéria não recebeu resposta. O espaço está aberto.