Derrubada do IOF pode ser declarada inconstitucional, mas levanta dúvidas de especialistas sobre viés arrecadatório
Advogados tributaristas têm levantado dúvidas sobre a possibilidade de o Executivo aumentar alíquotas do IOF com fins arrecadatórios

O decreto legislativo que derrubou a proposta que elevaria o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pode ser declarado inconstitucional, de acordo com especialistas em Direito Constitucional ouvidos pelo Estadão/Broadcast. Já advogados tributaristas têm levantado dúvidas sobre a possibilidade de o Executivo aumentar alíquotas do IOF com fins arrecadatórios.
O argumento a favor da inconstitucionalidade destaca que o Executivo tem a prerrogativa de alterar as alíquotas do IOF. Os juristas ouvidos pela reportagem entendem que a elevação do IOF não caracteriza a “exorbitância do poder regulamentar” prevista em lei para que o Congresso possa sustar decretos do governo.
“O IOF é um imposto de caráter regulatório e é regulado pelo Executivo. É absurdamente inconstitucional esse decreto legislativo que passou ontem”, avalia Vitor Rhein Schirato, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Wallace Corbo, professor da FGV Direito Rio, também não vê uma “evidente violação” ao poder regulamentar do Executivo. “É um caso de exercício de um poder que, teoricamente, sempre foi exercido pelo Executivo, de alterar alíquotas de impostos autorizados pela Constituição”, observa o constitucionalista. “O simples fato de o Congresso entender que as finalidades buscadas não são corretas não permitiria a atuação (para derrubar o decreto)”, complementa.
Tanto Schirato quanto Corbo concordam que se quisesse rever o aumento das alíquotas do IOF, o Congresso deveria alterar as limitações da cobrança do imposto, pois o governo tem a atribuição de alterar as alíquotas desde que estejam no limite estabelecido em lei.
Uma fonte na Advocacia-Geral da União (AGU) ouvida sob reserva também avalia que o ato legislativo aprovado nesta semana é inconstitucional e que o órgão irá agir caso tenha autorização do governo.
Em nota, a AGU negou que tenha tomado uma decisão sobre judicializar o caso. Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que essa era uma opção na mesa.
Outra fonte da área jurídica do governo reforça que o Congresso não tem o poder de derrubar um decreto por discordar da política fiscal e tributária da gestão ou do aumento de impostos.
“Na nossa opinião, o Congresso pode sustar um ato do Executivo quando o presidente da República ultrapassa as competências que foram dadas pela lei. Nesse caso, o Congresso está discordando no mérito, o que não me parece constitucional”, diz.
Para alguns advogados tributaristas, o Executivo excedeu seu poder regulatório porque o Código Tributário Nacional (CTN) permite a alteração das alíquotas para atender aos objetivos da política monetária.
“Não foi exatamente para atender a objetivos de política monetária - e sim da política fiscal - que o Decreto do IOF foi editado. Fins claramente arrecadatórios. Logo, isso violaria ao CTN e, portanto, inserindo esse Decreto no escopo da possível sustação”, avalia Marcio Alabarce, sócio do Canedo, Costa, Pereira e Alabarce Advogados.
Para o tributarista Júlio de Oliveira, sócio do Machado Associados, o governo poderia alegar que houve invasão de competência pelo Legislativo, mas há dúvidas sobre a própria constitucionalidade do aumento do IOF.
“Por outro lado, algumas dessas alterações do IOF feitas pelo governo Lula podem ser consideradas inconstitucionais, pois criaram incidências novas sem previsão legal”, pondera.
Schirato, da USP, lembra que esta não foi a primeira vez que o governo alterou alíquotas do IOF para aumentar a arrecadação e avalia que só isso não autoriza o Legislativo a sustar o decreto do Executivo.
“Em 2008, no mesmo dia em que o Congresso derrubou a CPMF, o governo aumentou todas as alíquotas do IOF. Perdeu fonte de receita e aumentou a tributação do IOF no dia seguinte. Isso aconteceu e não teve problema nenhum”, ressalta.
“É possível judicializar. O caminho existe, a tese jurídica é defensável. Mas politicamente, o risco é aprofundar ainda mais a crise institucional, com o governo sendo visto como alguém que tenta reverter no STF uma derrota política clara”, avalia Luísa Macário, advogada tributarista no Grupo Nimbus.