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'A Primavera' filma o Recife em um delírio poético

Longa que marca o retorno de Daniel Aragão, ao lado do estreante Sérgio Bivar, acompanha poeta de rua que se apaixona por uma prostituta

Por Emannuel Bento Publicado em 20/10/2025 às 16:22

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O longa-metragem pernambucano "A Primavera", dirigido por Daniel Aragão e Sérgio Bivar, estreia nesta quinta-feira (23) no Moviemax Rosa e Silva, na Zona Norte do Recife, marcando o retorno de Aragão ("Boa Sorte, Meu Amor") a um filme rodado no Brasil após uma década. 

Bivar, que assina o roteiro guardado há mais de dez anos e tem dois livros publicados, faz aqui sua estreia na direção cinematográfica.

Ambientado no Centro do Recife, o filme acompanha Jeová (Luiz de Aquino), um poeta de rua que é pago por um homem misterioso para criar novos poemas.

A rotina do personagem ganha novos contornos quando ele conhece Maria Suzanne (Eduarda Rocha), uma garota de programa por quem se apaixona, durante um encontro fortuito na Ponte de Ferro, no bairro da Boa Vista.

A obra já passou por festivais como a Mostra de Cinema de Tiradentes, onde provocou o debate mais acalorado da edição — reflexo da controvérsia que cerca Aragão desde sua participação em "O Jardim das Aflições", documentário sobre Olavo de Carvalho.

Experimentalismos

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Cena de "A Primavera", dirigido por Daniel Aragão e Sérgio Bivar - DIVULGAÇÃO
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Cena de "A Primavera", dirigido por Daniel Aragão e Sérgio Bivar - DIVULGAÇÃO

O título, "A Primavera", alude a um edifício homônimo no Centro do Recife. Em uma cidade sem estações claramente definidas — marcada apenas pelo calor intenso do verão e pelas chuvas do inverno —, essa escolha funciona como metáfora para revelar um Recife de múltiplas camadas, criatividades e visões em constante transformação.

Logo nos primeiros minutos, a fotografia evidencia uma estética de baixo orçamento — algo que o próprio Bivar descreve como um "orçamento de guerrilha". Mas o aspecto econômico, aqui, se converte também em escolha estética.

Os diretores apostam num experimentalismo visual, com o uso de lentes grande-angulares expande o enquadramento e transforma a paisagem urbana em personagem. Há também uma intencionalidade artesanal, com cenas frequentemente "invadidas" pela rotina da cidade, reafirmando o Recife como um organismo vivo na narrativa.

Poesia, delírio e descompassos

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Jeová (Luiz de Aquino), personagem de "A Primavera", de Daniel Aragão e Sérgio Bivar - DIVULGAÇÃO

O enredo propõe uma jornada de autodescoberta poética, por vezes psicodélica, dos personagens, mas esbarra em olhar muitas vezes idealizado dos diretores sobre as figuras retratadas - nesse caso, poetas de rua e prostitutas, além de alguns moradores de rua filmados.

Quando o filme parece se acomodar, uma reviravolta prende a atenção e revela uma faceta ainda desconhecida de Jeová, conduzindo o filme ao seu clímax. Apesar de uma mensagem final conservadora e masculina, o clima psicodélico suaviza essa impressão.

Entre os acertos está a forma como o longa integra a poesia de Miró da Muribeca, muita vezes recitada por Odailta Soares, poeta e ativista da causa negra.

Existe até o registro da inauguração da estátua de Miró na Avenida Rio Branco. Os atores, em especial Luiz de Aquino e Eduarda Rocha, também entregam boas interpretações dentro da proposta da direção.

"A Primavera" encontra alguma força justamente em sua imperfeição técnica, mas parece também diluir-se em suas próprias ambições. Ainda assim, há algo de honesto em seu esforço, mesmo que seja a tentativa de filmar um Recife que é atravessado por suas contradições.

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