Crítica: "Superman" aposta em novo tom para salvar o futuro da DC Comics
Filme dirigido por James Gunn acerta ao equilibrar o tom lúdico dos quadrinhos com os interesses por trás dos grandes conflitos geopolíticos

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O novo e aguardado "Superman", dirigido por James Gunn, começa exibindo um ângulo pouco explorado do Homem de Aço: caído, contorcendo-se de dor e sangrando pelo nariz. O herói acaba de sofrer sua primeira derrota, prenunciando a fragilidade que será explorada ao longo do filme.
O longa, que estreia nesta quinta-feira (10) nos cinemas, dispensa a conhecida introdução do bebê enviado do espaço para ser criado por um casal humilde no interior dos Estados Unidos, narrativa estabelecida desde a origem do personagem em 1938.
É como se, a esta altura, todos já soubessem sua história - não há tempo a perder. Afinal, o filme carrega o desafiador papel de reiniciar o universo cinematográfico da DC Comics, cujos direitos pertencem à Warner Bros.
Ainda caído e sangrando, o protagonista consegue apenas assobiar para Krypto, o supercão carismático (e um tanto desobediente), que o arrasta até a Fortaleza da Solidão, a base secreta do herói.
A presença do cão evidencia que a grande virada deste filme não é apenas apresentar um Superman vulnerável, mas recuperar o espírito lúdico dos quadrinhos. "Superman" aposta no colorido, em cidadãos e animais sendo salvos, e até num certo deslumbramento infantil - trunfos que James Gunn já demonstrou nos três filmes dos “Guardiões da Galáxia”.
Essa decisão contrasta fortemente com o tom sombrio e sério que a DC Comics vinha adotando sob a direção de Zack Snyder, responsável por títulos como "O Homem de Aço" (2013) e o confuso "Batman vs Superman" (2016). Esse estilo só funcionou bem nas mãos de Christopher Nolan.
A nova jornada do Homem de Aço
Neste novo universo, o mundo já está plenamente ciente da existência dos meta-humanos, e o Superman tornou-se uma figura pública há três anos, conquistando grande popularidade em Metrópolis.
Contudo, essa lua de mel com a população começa a desmoronar quando o Homem de Aço impede a invasão militar da Borávia (um país fictício aliado dos EUA) ao vizinho Jarhanpur, também fictício. O ato desperta tensões internacionais.


Em resposta, surge o misterioso meta-humano conhecido como Martelo da Borávia, que ataca Metrópolis. Mas o vilão revela-se, na verdade, uma criação tecnológica do bilionário Lex Luthor (vivido por Nicholas Hoult), apresentado aqui quase como um Elon Musk ainda mais ambicioso.
Aliado ao presidente da Borávia, Luthor está determinado a destruir a reputação - e até a vida - do Superman para vender armas, derrotar o pobre país vizinho e consolidar seu poder.
Espelhos da geopolítica contemporânea
Nesse ponto, o filme adquire contornos geopolíticos, evocando conflitos do mundo real, como Rússia x Ucrânia ou Israel x Palestina. A forma como Jarhanpur é retratada lembra, inclusive, a Palestina.
Causa certo estranhamento, porém, que o filme pinte o herói americano como símbolo anti-guerra, enquanto os próprios EUA, na realidade, têm vetado resoluções para cessar ataques a Gaza na ONU. Mas, como sabemos, o cinema continua a ser uma poderosa ferramenta de propaganda.
Outro aspecto contemporâneo surge quando Lex Luthor, para manchar a imagem do Superman, recorre a fake news em larga escala e até a um vídeo cuja veracidade é questionada ao longo da trama — uma clara alusão ao impacto dos vídeos gerados por inteligência artificial.
Expansão do universo
Voltando ao filme em si, o ator David Corenswet entrega uma atuação sólida, equilibrando a vulnerabilidade do personagem com a imponente masculinidade que sempre caracterizou o Superman. Sua versão anônima, Clark Kent, aparece menos nesse roteiro. Sua parceira Lois Lane também ganha força com a interpretação segura de Rachel Brosnahan.
Já aparecem neste longa alguns integrantes da futura Liga da Justiça, como o Senhor Incrível (Edi Gathegi), Mulher-Gavião (Isabela Merced) e Lanterna Verde (Nathan Fillion). Eles ajudam o Superman em diversos momentos e deixam o terreno preparado para possíveis sequências.


Alguns poderão considerar o enredo sobrecarregado de informações, mas talvez seja inevitável - e até necessário - num contexto em que o público está cada vez mais exigente, após anos de superproduções de heróis.
O filme acerta ao equilibrar o tom lúdico e aventuresco dos quadrinhos com reflexões mais densas sobre a natureza humana, o papel da verdade em tempos de desinformação e os interesses por trás dos grandes conflitos geopolíticos.
O Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), inegável inspiração para este recomeço da DC, acabou canibalizando o cinema ao criar filmes que muitas vezes não se sustentavam isoladamente.
Como a indústria norte-americana dificilmente abrirá mão de seus "filmes de bonecos", resta torcer para que a DC consiga manter o tom promissor que "Superman" apresenta neste primeiro capítulo.