Dia do Orgulho: Assassinado em 2024, vaqueiro pernambucano que carregou bandeira LGBT+ é homenageado
Valmir Calaça, o 'Chapada', também dedicou-se à defesa do meio ambiente e dos vaqueiros de Floresta, no Sertão; Homenagem ocorre no Club Metrópole

"Essa é a bandeira mais pesada que já carreguei", costumava dizer o vaqueiro pernambucano Valmir Calaça (1966-2024), conhecido popularmente como Chapada. Há quase 10 anos, ele ganhou projeção nacional na imprensa ao empunhar, montado em seu cavalo, a bandeira da causa LGBTQIAPN+ durante eventos no Sertão de Pernambuco.
O "peso" de que falava contrastava com o colorido do pano, confeccionado em Santa Cruz do Capibaribe. Ao lado da bandeira, levava também um cartaz com os dizeres: "Não ao preconceito".
Heterossexual e casado há mais de 30 anos com Marluce Carvalho, Valmir decidiu se engajar na defesa da comunidade após o atentado terrorista à boate Pulse, na Flórida (EUA), em 2016, crime de ódio que deixou pelo menos 50 mortos e 53 feridos.
"Isso tocou meu coração até que eu disse pra mim mesmo: 'Vou homenagear essas pessoas'. Sou matuto, mas sou esclarecido e gosto de coisa difícil", contou, em entrevista concedida em 2023.
Em novembro de 2024, Valmir foi assassinado a tiros em Floresta, no Sertão pernambucano, onde vivia. Ele deixou dois filhos e dois netos.
Em nota, a Polícia Civil de Pernambuco informou que "o inquérito já foi concluído e remetido ao Ministério Público de Pernambuco com indiciamento". Na cidade, amigos e conhecidos comentam que o assunto ainda é evitado.
Homenagem no Dia do Orgulho
Para manter viva a memória do aliado, o Club Metrópole, no Centro do Recife, prestará uma homenagem póstuma ao vaqueiro durante sua celebração do Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, neste sábado (28/06), a partir das 22h.
Anualmente, a boate reconhece personalidades que contribuem para uma sociedade mais justa, diversa e inclusiva. A viúva de Valmir estará presente.
"Será um momento de nos orgulharmos da coragem e da ousadia que ele demonstrou no Sertão pernambucano. E também de unirmos nossas vozes por justiça para Chapada. Ele lutou, muitas vezes sozinho, pelos direitos da comunidade LGBT por onde passava. Existe um silêncio em torno desse tema", afirma Maria do Céu, produtora do Clube Metrópole.
Um homem de várias lutas
Ainda antes de tornar-se um defensor público do respeito à diversidade sexual pelo Sertão, Valmir Calaça já era envolvido com a causa ambiental, com luta contra a poluição e assoreamento do Rio Pajeú, que corta o município de Floresta. "Quando criança, ele viveu um período em que as pessoas ainda se banhavam no rio", diz Marluce, viúva, ao JC.
Valmir também participava de encontros pela revitalização do leito e proteção das nascentes do Rio São Francisco. "Quando quiseram criar uma usina nuclear em Itacuruba, participou do movimento contra a construção, pelo impacto ambiental negativo", continua.
Calaça ainda lutou para criar uma Associação do Vaqueiro em Floresta, que daria apoio no transporte de vaqueiros em período de eventos, como nas missas. "Muitos vaqueiros precisam recorrer a políticos para conseguirem participar. Infelizmente, ele se foi antes de conseguir isso", lamenta Marluce.
Além das lutas públicas, a família reforça que ele foi um pai presente e um marido acolhedor. "Ele gostava muito de ajudar as pessoas. Eu até brincava que batiam tanto na nossa porta que parecia que ele era político", conta a esposa.
O filho Henrique, 27, lembra que, apesar de analfabeto, o pai sempre incentivou os estudos da comunidade. "Mesmo com todas as dificuldades, ele queria ver todo mundo vencendo", diz.
"Queremos que a justiça seja feita, pois até o momento estamos na espera. Alguns suspeitos foram presos preventivamente, outros foram soltos. Até agora, não há nenhuma acusação", finaliza a viúva.
Seja pelos rios, pelos vaqueiros ou pela diversidade, Chapada continua a inspirar aqueles que acreditam em um mundo mais justo e acolhedor.