'Hoje está muito difícil formar novos mestres', diz Manoelzinho Salustiano; confira entrevista
'Os mais jovens não querem mais porque veem que o avô, o pai, estão tirando da feira para fazer a festa', diz artista, que lança websérie com mestres

"Escute os mestres mais velhos, eles sempre têm novidade". Essa frase ecoa na trajetória de Manoelzinho Salustiano, filho mais velho de Manoel Salustiano Soares e Tereza Maria Soares.
Desde pequeno, Manoelzinho mergulhou nas tradições do cavalo marinho, ciranda, mamulengo, caboclinho, boi, burra e coco. No maracatu de baque solto, é brincante, articulador e chegou a dirigir uma associação. Agora, dá voz aos mestres em uma websérie que registra conversas valiosas com guardiões dessa cultura.
"Que Baque Solto, eu sou?" estreia no YouTube no dia 16 de maio, mas o público já pode acompanhar quatro pré-eventos gratuitos. O primeiro será nesta sexta-feira (11), às 14h, na Casa do Carnaval, no Centro do Recife.
Valorização dos mestres
A série nasceu da inquietação de Manoelzinho diante das desigualdades de visibilidade dentro do maracatu rural. "Enxergamos muito mais os mestres de apito, que fazem os versos, e pouco os mestres de conhecimento, que são os mais velhos", afirma.
"Os mestres de pertencimento são os mais velhos, que criam o brinquedo, entendem dos rituais religiosos, criam fantasias e lideram aquele povo. Eles são o verdadeiro sustento dos maracatus de baque solto. Se não existir um desses, não existe o maracatu", destaca.
Depoimentos
Entre os depoimentos estão nomes como Dona Maria Viúva, do Maracatu Estrela da Tarde, em Glória do Goitá — a única representante de um maracatu de buzina ainda em atividade em Pernambuco — e Mestre Zé Flor, do Maracatu Leãozinho, de Itaquitinga.
A série também traz falas de Mestre Jó — Josiel Severino dos Santos, do Galo Dourado de Lagoa de Itaenga — e do caboclo de lança Mestre Jaime Viana, de Tracunhaém.
"Gravamos de uma forma que os mestres ficassem à vontade, no ambiente deles, dentro dos terreiros deles. Eles começam a contar como viam o maracatu ainda na infância, surgem histórias muito interessantes e surgem filmes nas nossas cabeças. Não são entrevistas, mas conversas à vontade", diz Manoelzinho.
"Até o momento, não tínhamos nenhum registro do mestre Jaime, do Cambinda Estrela, um senhor com quase 80 anos. Já o Mestre Reginaldo Silva conta o ritual de cortar uma lança, do caboclo de lança. São coisas que não são conversadas no dia a dia, porque normalmente prestamos atenção no espetáculo do Carnaval, mas não no que está por trás", completa.
Desafios para formar novos mestres
Desde 2020, o maracatu rural é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Iphan. Apesar disso, segundo Manoelzinho, ainda faltam ações concretas de salvaguarda. "Seguimos na luta para manter essa cultura de Pernambuco, que só existe na Mata Norte e na Região Metropolitana do Recife, e em mais lugar nenhum", reforça.
Para ele, preservar os mestres que vivem nos sítios e engenhos, longe dos centros urbanos, é a principal forma de garantir a continuidade da tradição.
"Precisa existir um entendimento de preservação, de escuta e muita paciência para ir atrás. Olhamos muito o espetáculo, mas a preservação é como uma floresta. Se você não cuida, vai faltar água. Se não cuidarmos dos mestres, não vamos ver o espetáculo e não haverá formação de novos mestres", alerta.
Manoelzinho reforça: "Hoje está muito difícil formar novos mestres. Precisamos de ações com mestres que não possuem acesso aos editais. Existe muito investimento em cultura popular, o problema é o acesso. Geralmente quem está no Sertão, em sítios, perde o acesso. Os mais jovens não querem mais porque veem que o avô, o pai, estão tirando da feira para fazer a festa", conclui.
Apoio
O projeto "Que Baque Solto, eu sou?" tem coprodução do Instituto Casa Astral e incentivo do Funcultura, via Fundarpe e Governo de Pernambuco. O lançamento conta com apoio da UPE, por meio do Laboratório de Estudos da Religião.