Do luto à vida: nos bastidores da doação de órgãos, trabalhadores da Saúde transformam dor em esperança
Do diagnóstico de morte encefálica ao acolhimento das famílias, dedicação da equipe garante que decisão de doar se torne chance de vida a quem espera

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Para quem está na fila de espera por um órgão ou tecido, a notícia de um transplante representa esperança e a chance de uma vida mais saudável. Mas atualmente cerca de 3.750 pessoas aguardam por um transplante em Pernambuco. E lamentavelmente 48% das famílias de potenciais doadores se recusam a doar órgãos.
Para reverter esse cenário e promover a sensibilização dos parentes, existe um trabalho essencial e pouco visível: acompanhar casos críticos, acolher famílias, avaliar a viabilidade da doação e, quando ela é confirmada, garantir todo o processo da captação.
Esse conjunto de etapas é conduzido pela Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT).
Em Pernambuco, o Hospital Pelópidas Silveira (HPS), no Curado, Zona Oeste do Recife, conta com uma equipe para viabilizar cada transplante. Neste Setembro Verde (mês da campanha nacional de conscientização sobre doação de órgãos e tecidos), o hospital chama a atenção para esse trabalho de várias mãos.
Na unidade hospitalar, que acolhe casos cardiológicos, neurocirúrgicos e neurológicos, a CIHDOTT segue normas técnicas específicas para acompanhar pacientes com condições neurológicas graves.
Todos os pacientes com suspeita de morte encefálica, condição em que todas as funções do cérebro deixam de funcionar de forma irreversível, são monitorados pela comissão.
"A primeira missão do hospital é dar o diagnóstico correto e realizar o tratamento adequado. Se confirmada a morte encefálica, é preciso garantir uma morte digna ao paciente. A possível doação de órgãos e tecidos é uma consequência desse processo, e esse tema só será abordado após o falecimento e se houver condições viáveis para a doação", explica a enfermeira da CIHDOTT do Hospital Pelópidas Silveira (HPS), Sellen Portela.
Cenário em Pernambuco
Neste ano de 2025, foram realizados 1.276 transplantes em Pernambuco. Entre os procedimentos, destaque para córnea (614), rim (306) e medula óssea (226).
Atualmente a lista de espera por um órgão é de 3.752 pacientes no Estado. Entre os órgãos com maiores demandas, estão rim (2.022) e córnea (1.536).
"Cada doador é capaz de beneficiar diversos pacientes que aguardam na lista por um transplantelidade de vida a quem enfrenta doenças graves", destaca o coordenador da Central de Transplantes de Pernambuco (CT-PE), André Bezerra.
Ele reforça que, além da opção de ser doador em vida (no caso de doação de medula óssea), é fundamental que cada pessoa manifeste à família o desejo de ser doador após a morte. "Essa conversa é essencial, já que a autorização dos familiares é decisiva para que o ato se concretize", acrescenta.
Acolhimento familiar
A CIHDOTT do Hospital Pelópidas Silveira (HPS), que conta com cinco enfermeiras na equipe, também tem papel fundamental de acolhimento às famílias dos pacientes com suspeita de morte encefálica. Nessa fase, a equipe explica a gravidade da situação e os procedimentos para confirmar ou descartar a morte cerebral.
"Só após a confirmação da morte encefálica, informamos aos familiares sobre o direito à doação", ressalta Sellen. No Brasil, apenas o cônjuge ou familiar de até segundo grau pode autorizar a doação.
"A morte de um familiar é um momento de dor e sabemos que esse tema pode ser difícil de lidar diante de toda a situação. Por isso a necessidade do acolhimento por uma equipe especializada, capaz de tirar as dúvidas e fornecer os subsídios necessários para que a família tome sua decisão", acrescenta Sellen.
Autorização e Central de Transplantes
Confirmada a autorização familiar, a CIHDOTT realiza uma entrevista detalhada para coletar dados de saúde do potencial doador e envia todas as informações para a Central de Transplantes de Pernambuco (CT-PE).
É a Central que avalia os dados e confirma se há viabilidade para a doação e quais órgãos ou tecidos podem ser doados.
Em caso positivo, a CT-PE identifica na fila de espera os pacientes receptores, considerando critérios técnicos específicos para cada tipo de órgão ou tecido, e programa a captação. Essa etapa é feita por uma equipe especializada, que não está vinculada ao diagnóstico do óbito.
Equipe de captação
"A captação é realizada no bloco cirúrgico do HPS pela equipe captadora, formada por cirurgião, anestesista, enfermeiro e técnico de enfermagem, além da CIHDOTT e de profissionais do bloco cirúrgico da instituição", detalha Sellen Portela.
"A cirurgia é conduzida com todo o respeito ao doador e, após o procedimento, o corpo é entregue à família para que sejam realizados normalmente os rituais de despedida."
O que pode ser doado
Em caso de morte encefálica, podem ser doados órgãos sólidos, como coração, fígado, rins e pâncreas, além de tecidos, como córneas. Se o óbito for pela parada cardíaca, a doação se limita às córneas.
"Além de acompanhar pacientes com condições neurológicas graves, que são os potenciais doadores de órgãos e tecidos, a CIHDOTT sensibiliza os profissionais da unidade para informar sobre pacientes que falecem por parada cardíaca e que podem ser potenciais doadores de córnea", explica Sellen.
Nessas situações, a comissão também acolhe os familiares e, a partir da autorização, realiza os trâmites necessários para viabilizar a doação.
Neste ano, de janeiro até o momento, foram captadas 26 córneas, 8 rins e 4 fígados no HPS. Ao todo, a CIHDOTT acompanhou cerca de 200 pacientes neurológicos críticos, resultando em 27 protocolos de morte encefálica. Desses, 4 resultaram em doações múltiplas.
Papel educativo e cultural da CIHDOTT
Além do acompanhamento direto dos pacientes, a CIHDOTT desempenha um papel importante de educação e sensibilização da equipe hospitalar, incentivando a cultura de doação e garantindo que potenciais doadores sejam identificados de forma correta e rapidamente. Isso contribui para aumentar a efetividade das doações e, consequentemente, salvar mais vidas.
"O Brasil possui leis e normas técnicas que garantem a ética e a lisura desde a identificação do potencial doador até o transplante. Neste mês de conscientização, precisamos reforçar para que não haja mitos e, cada vez mais, a população discuta, em vida, o tema e informe aos seus familiares o desejo de ser doador", finaliza a enfermeira do HPS Sellen Portela.