Microplásticos são encontrados em placentas e cordões umbilicais de gestantes no Brasil pela primeira vez
Estudo inédito em Maceió identificou 229 partículas em tecidos de gestantes atendidas pelo SUS, revelando possível exposição fetal

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Um estudo inédito conduzido em Maceió, capital de Alagoas, revelou a presença de microplásticos em tecidos humanos pela primeira vez no Brasil e em toda a América Latina.
A pesquisa identificou partículas microscópicas de plástico em placentas e cordões umbilicais de gestantes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na capital alagoana.
A investigação foi realizada por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em colaboração com a University of Hawai’i at Mnoa. Os resultados foram publicados na última sexta-feira (25), na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Análise detectou microplásticos em 8 das 10 gestantes avaliadas
O estudo analisou amostras de dez gestantes atendidas no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes e no Hospital da Mulher Dra. Nise da Silveira, ambos em Maceió.
Após o parto, os tecidos foram processados com solução de hidróxido de potássio por sete dias, filtrados e submetidos à espectroscopia Micro-Raman — técnica avançada de identificação química.
Ao todo, foram encontradas 229 partículas de microplásticos: 110 nas placentas e 119 nos cordões umbilicais.
O polietileno — comum em embalagens descartáveis — e a poliamida — usada em tecidos sintéticos — foram os materiais mais frequentemente identificados.
“Como a análise foi realizada em apenas cerca de 40 gramas de tecido — enquanto uma placenta inteira pode pesar até 500 gramas —, estimamos que a quantidade real de partículas por órgão seja ainda maior”, afirma o biomédico Dr. Alexandre Urban Borbely, professor da UFAL e um dos autores do estudo.
Exposição fetal preocupa especialistas
Em oito das dez amostras analisadas, os pesquisadores detectaram uma maior quantidade de microplásticos nos cordões umbilicais do que nas placentas, o que sugere que as partículas conseguiram atravessar a barreira placentária e alcançar o feto.
Essa constatação preocupa especialistas por seu potencial impacto no desenvolvimento gestacional e na saúde futura das crianças.
Embora a presença de aditivos químicos usados na fabricação dos plásticos tenha sido menor do que a observada em estudo anterior realizado com placentas nos Estados Unidos, os pesquisadores explicam que isso pode refletir diferenças nos hábitos de consumo e nas condições ambientais locais, sem descartar os riscos envolvidos.
Possíveis origens da contaminação
Entre as hipóteses levantadas para a origem dos microplásticos está a poluição marinha. O hábito local de consumo de frutos do mar — que pode representar uma via de ingestão de partículas plásticas — e o alto índice de resíduos nas praias da região ajudam a compor o cenário de contaminação.
Segundo levantamentos anteriores, cerca de 75% do lixo na orla de Maceió é composto por plásticos, como sacolas e embalagens de produtos ultraprocessados.
Outro fator considerado relevante é a falta de acesso à água potável tratada. Parte da população recorre ao consumo de água envasada, muitas vezes armazenada sob forte exposição solar, o que pode acelerar a liberação de microplásticos dos recipientes plásticos para a água.
Entre as medidas apontadas como necessárias estão a melhoria da gestão de resíduos, a regulação de plásticos descartáveis, o monitoramento da contaminação em água e alimentos e o incentivo ao uso de alternativas sustentáveis ao plástico tradicional.
Além do ineditismo, a pesquisa chama atenção por incluir um grupo populacional frequentemente negligenciado em estudos científicos internacionais: mulheres socioeconomicamente vulneráveis.
“É fundamental compreender como a contaminação ambiental impacta diferentes realidades sociais”, ressalta o professor da UFAL, Alexandre Borbely.
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