Microplásticos são encontrados em placentas e cordões umbilicais de gestantes no Brasil pela primeira vez

Estudo inédito em Maceió identificou 229 partículas em tecidos de gestantes atendidas pelo SUS, revelando possível exposição fetal

Por Maria Letícia Menezes Publicado em 29/07/2025 às 11:42

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Um estudo inédito conduzido em Maceió, capital de Alagoas, revelou a presença de microplásticos em tecidos humanos pela primeira vez no Brasil e em toda a América Latina.

A pesquisa identificou partículas microscópicas de plástico em placentas e cordões umbilicais de gestantes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na capital alagoana.

A investigação foi realizada por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em colaboração com a University of Hawai’i at Mnoa. Os resultados foram publicados na última sexta-feira (25), na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências.

Análise detectou microplásticos em 8 das 10 gestantes avaliadas

O estudo analisou amostras de dez gestantes atendidas no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes e no Hospital da Mulher Dra. Nise da Silveira, ambos em Maceió.

Após o parto, os tecidos foram processados com solução de hidróxido de potássio por sete dias, filtrados e submetidos à espectroscopia Micro-Raman — técnica avançada de identificação química.

Ao todo, foram encontradas 229 partículas de microplásticos: 110 nas placentas e 119 nos cordões umbilicais.

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A placenta fornece oxigênio e nutrientes ao bebê; o cordão umbilical é o canal que transporta essas substâncias da placenta até o feto durante a gestação - iStock

O polietileno — comum em embalagens descartáveis — e a poliamida — usada em tecidos sintéticos — foram os materiais mais frequentemente identificados.

“Como a análise foi realizada em apenas cerca de 40 gramas de tecido — enquanto uma placenta inteira pode pesar até 500 gramas —, estimamos que a quantidade real de partículas por órgão seja ainda maior”, afirma o biomédico Dr. Alexandre Urban Borbely, professor da UFAL e um dos autores do estudo.

Exposição fetal preocupa especialistas

Em oito das dez amostras analisadas, os pesquisadores detectaram uma maior quantidade de microplásticos nos cordões umbilicais do que nas placentas, o que sugere que as partículas conseguiram atravessar a barreira placentária e alcançar o feto.

Essa constatação preocupa especialistas por seu potencial impacto no desenvolvimento gestacional e na saúde futura das crianças.

Embora a presença de aditivos químicos usados na fabricação dos plásticos tenha sido menor do que a observada em estudo anterior realizado com placentas nos Estados Unidos, os pesquisadores explicam que isso pode refletir diferenças nos hábitos de consumo e nas condições ambientais locais, sem descartar os riscos envolvidos.

Possíveis origens da contaminação

Entre as hipóteses levantadas para a origem dos microplásticos está a poluição marinha. O hábito local de consumo de frutos do mar — que pode representar uma via de ingestão de partículas plásticas — e o alto índice de resíduos nas praias da região ajudam a compor o cenário de contaminação.

Segundo levantamentos anteriores, cerca de 75% do lixo na orla de Maceió é composto por plásticos, como sacolas e embalagens de produtos ultraprocessados.

Outro fator considerado relevante é a falta de acesso à água potável tratada. Parte da população recorre ao consumo de água envasada, muitas vezes armazenada sob forte exposição solar, o que pode acelerar a liberação de microplásticos dos recipientes plásticos para a água.

Entre as medidas apontadas como necessárias estão a melhoria da gestão de resíduos, a regulação de plásticos descartáveis, o monitoramento da contaminação em água e alimentos e o incentivo ao uso de alternativas sustentáveis ao plástico tradicional.

Além do ineditismo, a pesquisa chama atenção por incluir um grupo populacional frequentemente negligenciado em estudos científicos internacionais: mulheres socioeconomicamente vulneráveis.

“É fundamental compreender como a contaminação ambiental impacta diferentes realidades sociais”, ressalta o professor da UFAL, Alexandre Borbely.

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