"Comer melhor, não menos": lições de uma engenheira agrônoma e nutricionista para romper com a cultura da dieta

Durante o Brain Congress, nutricionista e engenheira agrônoma trouxe análise sobre seu método próprio, com abordagem longe da dieta restritiva

Por Cinthya Leite Publicado em 22/06/2025 às 16:09 | Atualizado em 22/06/2025 às 16:17

FORTALEZA (CE) - Em meio a discursos cada vez mais moralizantes sobre alimentação (em que alimentos são rotulados como bons ou maus, permitidos ou proibidos) a nutricionista e engenheira agrônoma franco-brasileira Sophie Deram propôs uma virada de chava durante palestra no Brain Congress, na capital cearense. O evento, que terminou no sábado (21), debateu descobertas das neurociências.

Em sua aula, Sophie foi enfática: a restrição alimentar, longe de ser solução, pode ser parte do problema. Segundo a especialista, experiências restritivas deixam marcas profundas, pois afeta o comportamento alimentar e contribui para episódios de compulsão e desconexão com o próprio corpo.

Restrição alimentar: o problema, não a solução

Essa crítica à cultura da dieta é um dos pilares do Método Sophie, abordagem que ela defende e que promove a ideia de "comer melhor, não menos". O foco está na qualidade nutricional, no prazer e na escuta do corpo, e não na contagem de calorias ou na eliminação de grupos alimentares.

Na palestra, Sophie sublinhou que, diante da recomendação rígida de cortar totalmente determinados alimentos, especialmente os ultraprocessados, muitas pessoas reagem com medo e ansiedade, o que pode intensificar o desejo por esses mesmos produtos, devido ao funcionamento do sistema de recompensa do cérebro.

"A gente quer reduzir (quantidade), e não exagero no alimento. Afinal, quando tem uma restrição, aciona-se o efeito contraproducente", destacou Sophie. Esse efeito, que ela descreve como contraproducente, é respaldado por evidências das neurociências e da psicologia do comportamento alimentar.

Ou seja, quanto mais a pessoa tenta proibir ou controlar rigidamente o que come, maior a chance de ela acabar comendo em excesso justamente aquilo que tenta evitar.

A neurociência da compulsão: por que o cérebro resiste à proibição?

É como se o cérebro humano não respondesse bem a proibições absolutas. Quando se restringe demais certos alimentos (como os ultraprocessados), o corpo entra em estado de alerta, e o alimento proibido passa a ser visto como ainda mais desejável.

Então, se a pessoa quebra a regra, isso pode gerar culpa e uma sensação de perda de controle, o que pode levar a episódios de compulsão ou ao pensamento "já que comi, agora vou chutar o balde". Ao invés de promover autorregulação, a proibição tende a gerar maior compulsão

"O nosso cérebro sempre quer mais. Esse cérebro vê o impacto desses alimentos no nosso sistema de recompensa. E isso deve ser olhado seriamente pelas políticas públicas. Nosso cérebro ama ultraprocessados. A questão é reduzir. Então, eu, Sophie, defendo a não restrição dentro da alimentação", salientou. 

CINTHYA LEITE/JC
"As pessoas nunca são mais as mesmas após uma dieta restritiva, porque elas carregam o risco de ter mais quadros de compulsão", disse Sophie Deram - CINTHYA LEITE/JC

Ainda assim, a nutricionista não minimizou os impactos dos alimentos ultraprocessados. Durante a palestra, ela apresentou dados robustos, como os do estudo "Exposição a alimentos ultraprocessados e resultados adversos para a saúde: revisão abrangente de meta-análises epidemiológicas" (em tradução livre), publicado no periódico científico British Medical Journal (BMJ) em 2024.

Os resultados associam o consumo desses produtos ultraprocessados a mais de 30 desfechos negativos de saúde, incluindo mortalidade precoce, câncer e doenças crônicas. Ela também explorou os mecanismos fisiológicos envolvidos, como a disbiose intestinal causada por aditivos alimentares e os efeitos dos alimentos hiperpalatáveis sobre o cérebro.

Apesar disso, Sophie alertou para o risco de um discurso alarmista. Para ela, quando profissionais de saúde culpabilizam os pacientes pelo consumo de ultraprocessados, sem considerar o contexto emocional, social e neurobiológico dessas escolhas, acabam por gerar reações de medo que desregulam ainda mais o comportamento alimentar.

Além dos nutrientes: emoções na nutrição

"Estudos mostram que restringir a alimentação pode levar uma pessoa a comer demais. Assim, a resposta eficaz não está em abolir certos alimentos, mas em reduzir seu consumo de maneira consciente, sem culpa nem rigidez. As pessoas nunca são mais as mesmas após uma dieta restritiva, porque elas carregam o risco de ter mais quadros de compulsão." 

A palestra também abordou o uso de termos como "comida de verdade" e "fake food", que, segundo Sophie, criam barreiras morais e emocionais que dificultam a adesão a hábitos mais saudáveis.

Relação pacífica com a comida: o caminho para o bem-estar

Nesse universo, Sophie incentiva uma relação mais pacífica com a comida, em que a permissão de comer reduz a ansiedade e fortalece a nossa capacidade de escolha. 

Com essa abordagem, a nutricionista se afasta do modelo prescritivo tradicional e propõe uma visão integrativa da nutrição, que leva em conta não só os nutrientes, mas também o comportamento, as emoções e o contexto de vida.

Com Sophie, aprendemos que a alimentação saudável deve beneficiar tanto o corpo quanto a mente. A missão é promover equilíbrio e bem-estar sustentáveis ao longo da vida.

*A jornalista acompanhou a programação do Brain Congress a convite da organização do evento.

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