Hérnias abdominais: tipo mais comum surge na virilha e pode exigir cirurgia nos primeiros meses de vida
Embora pareça inofensiva, a "bolinha" na virilha pode ser sinal de condição que requer cirurgia ainda na infância. Especialistas trazem orientações

Sabia que um simples "carocinho" na barriga ou na virilha pode ser o primeiro sinal de uma condição que exige cirurgia? Estamos falando sobre as hérnias abdominais, que afetam milhões de brasileiros todos os anos, de recém-nascidos a adultos. A mais comum, a hérnia inguinal, pode parecer inofensiva, mas o atraso no tratamento aumenta o risco de dor intensa, encarceramento e até necrose de parte do intestino.
Um levantamento nacional da Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal (SBH) revela que foram realizadas, no Brasil, 349.968 cirurgias de hérnia da parede abdominal, em 2024, através do Sistema Único de Saúde (SUS). Do total, 38.665 (11%) foram de urgência e 311.300 cirurgias eletivas (planejadas). Os dados foram obtidos através do sistema DataSUS, com acesso em fevereiro deste ano.
A maioria dessas cirurgias foi de correção de hérnias inguinais. Embora frequente, o problema ainda é subestimado. Poucos sabem que essa condição ocorre em 1% a 2% dos recém-nascidos a termo. A hérnia inguinal ainda é mais comum nos prematuros (atinge, em média, 30% desses bebês). O problema não desaparece sozinho e pode evoluir para complicações graves, como encarceramento ou estrangulamento, se não for tratado em tempo oportuno.
O que é a hérnia inguinal e por que ela preocupa nos bebês
"Eu opero hérnia inguinal com frequência, de duas a três vezes por semana nos pacientes do consultório particular. É uma condição muito comum na cirurgia pediátrica, especialmente entre os prematuros", diz o cirurgião pediátrico Enilson Sabino, membro da equipe Curumim Cirurgia Pediátrica, no Recife.
O problema, causado pelo não fechamento do canal inguinal durante a vida intrauterina, acontece na virilha: a abertura existente para a passagem dos testículos não se fecha. É mais comum em meninos: neles, esse orifício só é fechado no final da gestação e, nas meninas, como não há passagem do testículo, o fechamento ocorre já no início da gravidez.
Após o nascimento, a hérnia inguinal se manifesta clinicamente com uma tumoração na região da virilha. Geralmente é visível quando o bebê faz esforço físico, ao chorar durante a troca de fraldas, por exemplo. Nessas ocasiões, um "carocinho" aparece de forma súbita e, quando o bebê se acalma, ele desaparece. Isso já é um sinal importante.
"Às vezes, só de ver uma foto, o médico já pode desconfiar que se trata de uma hérnia inguinal. Mas o diagnóstico exige confirmação clínica, com o apoio de exames como o ultrassom. E a indicação, nesse caso, é sempre cirúrgica", informa Enilson.
O cirurgião reforça que, quanto mais breve a cirurgia for realizada, melhor. "É necessário fazer uma avaliação pré-operatória, com exames como hemograma e avaliação cardiológica, para garantir segurança no procedimento."
Se a hérnia for negligenciada, pode haver complicações como o encarceramento (quando o conteúdo herniado fica preso e não volta para dentro da cavidade abdominal). Isso pode causar dor intensa, agitação, incômodo e, em casos mais graves, levar à necrose de alça intestinal ou até à perda do testículo.
"Na maioria das vezes, quem percebe o sinal de hérnia inguinal são os pais, principalmente durante a troca de fraldas. Chegam no consultório dizendo: 'tem um caroço na virilha do meu filho'. O pediatra tem que estar atento, fazer o encaminhamento adequado ao cirurgião, para que tudo seja resolvido de forma segura e no tempo certo", frisa Enilson.
"Vi um carocinho no testículo do meu filho": como um diagnóstico precoce evitou uma urgência
O depoimento do cirurgião pediátrico Enilson Sabino ilustra o que ocorreu, em 2023, no caso do pequeno Leo Bione, hoje com 2 anos e 1 mês. Foi durante uma troca de fraldas comum que a mãe de Leo, a publicitária Priscilla Leite, 39 anos, percebeu algo diferente: uma pequena "bolinha" no testículo do bebê.
"Leo tinha apenas 2 meses de vida. Percebi que, em determinado momento, o 'carocinho' aparecia. Em outros, estava tudo normal. Aquilo me deixou em dúvida. Eu e meu esposo, pai do Leo, decidimos mandar uma mensagem e fotos para a pediatra. Ela logo levantou a hipótese de uma hérnia inguinal, que foi confirmada depois de uma consulta presencial e exame de imagem", relembra Priscilla.
Ela relata que o ultrassom levantou a suspeita de hérnia bilateral. "Mas isso só seria possível confirmar durante a cirurgia."
A decisão foi operar o quanto antes. Como o diagnóstico foi feito cedo, e Leo ainda era muito pequeno, os médicos indicaram a cirurgia precoce, justamente por facilitar a recuperação, já que ele ainda não se movimentava muito.
"A preparação foi toda muito tranquila. Ele fez os exames, marcamos a cirurgia. No hospital, pude acompanhá-lo até o momento da sedação. Isso tornou tudo mais humano e acolhedor." A cirurgia, que durou cerca de uma hora e meia, foi realizada sem complicações. E sim, era bilateral - em ambos os lados da virilha.
A alta hospitalar de Leo aconteceu no mesmo dia. "Foi tudo muito simples. O curativo era de cola, e seguimos com medicação para dor. Evitamos movimentar muito as perninhas, mas ele nem chorava. Se recuperou muito rápido", recorda Priscilla.
A cirurgia é o caminho
Para a mãe de Leo, operar cedo fez toda a diferença. "Se fosse hoje, aos 2 anos de idade, seria bem mais difícil controlar o pós-operatório. Como ele era só um bebê, a gente conseguiu cuidar direitinho, e ele nem sentiu tanto."
Hoje, Leo está completamente recuperado - e a história da "bolinha no testículo" virou apenas uma lembrança, que reforça a importância da observação atenta e do cuidado médico rápido, a fim de evitar complicações.
"É importante frisar que essa não é uma cirurgia de urgência imediata, mas que pode se tornar urgente se for adiada por muito tempo após o diagnóstico", sublinha Enilson.
O que dizem os especialistas sobre causas, sintomas e riscos das hérnias
"As hérnias abdominais são caracterizadas por um abaulamento e escape parcial ou total de um órgão do corpo humano por um orifício que se abre devido à má-formação ou enfraquecimento nas camadas protetoras dos órgãos internos do abdome. Elas podem aparecer sem apresentar dor, apenas inchaço. Mas, se aumentarem, podem causar uma dor contínua que piora com atividades que pressionam a parte inferior do abdome", explica o cirurgião-geral Sérvio Fidney, chefe do serviço de Cirurgia Geral e Bariátrica do Hospital Agamenon Magalhães (SUS), no Recife.
Dados da Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal (SBH) apontam que, entre as hérnias abdominais, a inguinal (na virilha) tem alta prevalência: representa 75% das hérnias da parede abdominal. Cerca de 20% dos homens vão apresentar a alteração em algum momento da vida, assim como 3% das mulheres.
O cirurgião Gustavo Soares, presidente da SBH, explica que os homens são mais atingidos porque o tipo mais comum de hérnia na virilha acontece no ponto de ligação entre o abdome e os testículos. "Afeta a zona de junção entre a coxa e a parte inferior do abdome, área em que existe uma abertura natural por onde passam os vasos e nervos para os testículos, o que a torna uma área mais frágil", ressalta Gustavo. As mais volumosas podem descer em direção aos testículos e são chamadas de hérnia inguinoescrotal.
O vice-presidente da SBH, Heitor Santos, destaca que, entre as causas da doença, estão a obesidade, a diabetes descontrolada, a tosse crônica e a constipação intestinal. "O principal sintoma é dor no local que geralmente é acompanhada por uma bolinha. Em muitos casos, é possível fazer o diagnóstico em consulta, com exame clínico e ter mais informações sobre a hérnia do paciente através de exames de imagem."
A cirurgia é a única forma possível de tratamento. "Como é uma abertura na musculatura, não há outra forma de fechar esse espaço sem ser com cirurgia, a sutura dos tecidos. Também utilizamos uma prótese, no formato de tela, para evitar a recidiva do problema", acrescenta Heitor.
Cirurgias de urgência: quando o tempo é um fator crítico
Segundo informações divulgadas pelo DataSus, foram realizadas mais de 166 mil cirurgias, em 2023, para correção de hérnias inguinais em todo o Brasil.
Entre elas, 23 mil (13%) foram feitas em caráter de urgência. Isso significa que o procedimento foi realizado sem planejamento prévio, porque o quadro clínico do paciente evoluiu para uma complicação grave, geralmente encarceramento ou estrangulamento da hérnia.
"É importante destacar que, em alguns casos, a hérnia pode não apresentar sintomas. Por isso, é tão importante realizar exames de rotina periódicos para acompanhar o estado de saúde e identificar as doenças de forma precoce", enfatiza Sérvio Fidney.
Força-tarefa em Pernambuco agiliza cirurgias pediátricas
Em Pernambuco, a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) tem realizado uma série de cirurgias destinadas a pacientes pediátricos. A ação é integrada ao Programa Cuida PE, iniciativa do governo de Pernambuco com foco na redução de filas de espera por procedimentos eletivos, incluindo cirurgias, consultas e exames em todo o território estadual.
Os procedimentos são realizados no Max Day Hospital, unidade de saúde credenciada junto à SES-PE e localizada no bairro do Pina, na Zona Sul do Recife. "Aproveitamos a ociosidade do hospital aos domingos para realizar as cirurgias pediátricas. Ao longo de 13 meses, realizamos cerca de mil procedimentos, entre hernioplastias (correção de hérnia) e postectomias (fimose). Cerca de 80% do total são correspondentes aos diferentes tipos de hérnias", diz o médico Alberto Souza Leão, um dos diretores do Max Day Hospital.
Segundo a SES-PE, o Estado realizou, na rede SUS, 573 cirurgias pediátricas para correção de hérnia inguinal em 2024. Entre elas, 71 tiveram caráter de urgência. O número é superior ao de 2023, quando foram feitos 371 procedimentos, sendo 68 em urgência.
Neste ano de 2025, a SES-PE contabiliza, até março, 169 hernioplastias inguinais, sendo 20 em caráter de urgência. Os números também correspondem aos casos na população pediátrica.
Já em adultos, Pernambuco realizou em 2023, pelo SUS, 2.625 hernioplastias inguinais (457 em urgência); em 2024, o número subiu para 3.109 (254 em urgência). Neste ano, até março, são 932 procedimentos, sendo 65 em caráter de urgência.