País tem 2,4 milhões de autistas, diz 1º cálculo oficial do IBGE
O número equivale a 1,2% da população do País. Estimativas existentes apontam que a quantidade real de pessoas com TEA deve ser maior

O Brasil tem pela primeira vez um cálculo oficial da população de pessoas com autismo. São 2,4 milhões que declararam ter recebido diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) por algum profissional de saúde, de acordo com dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados ontem.
O número equivale a 1,2% da população do País. Estimativas existentes apontam que a quantidade real de pessoas com TEA deve ser maior, diante dos desafios de subdiagnóstico, sobretudo em camadas mais vulneráveis da população e em regiões com menos recursos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) caracteriza o transtorno por "déficits persistentes na habilidade de iniciar e manter interações sociais e comunicação social recíprocas, e por uma gama de padrões de comportamento, interesses ou atividades restritos, repetitivos e inflexíveis" que são "atípicos ou excessivos para a idade e o contexto sociocultural do indivíduo"
O mais comum é que o transtorno se manifeste na primeira infância (de 0 a 6 anos), durante o período do desenvolvimento. Os sintomas, no entanto, podem não se manifestar plenamente até mais tarde.
Como a condição só passou a integrar o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais nos anos 1980, muitos adultos e idosos podem viver com o quadro sem terem sido diagnosticados. Até agora, o País se baseava, numericamente, em estimativas do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA sobre o autismo.
REAÇÕES
"Com o Censo, a gente tem um dado mais real, mais nosso, que ajuda a pensar mais e com mais afinco a questão, principalmente de formação e de inclusão dessas pessoas com autismo", afirma Nassim Elias, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos.
"Uma pessoa diagnosticada com autismo vai enfrentar desafios em todos os âmbitos - econômicos, da educação, enfim, da socialização, mercado de trabalho. Quando a gente conhece esses dados, pode pensar em política pública para garantia dos direitos", diz a coordenadora do Programa do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria da USP, Joana Portolese.
De acordo com o Censo 2022, a prevalência do diagnóstico na população brasileira é maior entre os homens (1,5% deles foi diagnosticado com TEA) do que entre as mulheres (0,9%) e entre pessoas brancas (1,3%), em relação aos outros recortes raciais, o que pode refletir desigualdades de acesso ao diagnóstico.
Os dados também indicam que 43% da população diagnosticada com autismo está concentrada na Região Sudeste, em números absolutos Por outro lado, os Estados com maior porcentual de pessoas diagnosticadas com autismo estão nas Regiões Norte e Nordeste: em primeiro lugar o Acre (1,6%), seguido do Amapá (1,5%) e do Ceará (1,6%). O porcentual entre os Estados varia entre 1% e 1,6%.
Especialistas destacam a diversidade de habilidades de linguagem e funcionalidades intelectuais dos indivíduos com autismo, que vem sendo reconhecida há pouco mais de uma década, quando o termo "espectro" passou a ser utilizado para reforçar a variedade de sintomas e características que podem se manifestar
A inclusão do quesito sobre autismo no Censo foi determinada por uma lei de 2019. O relatório divulgado pelo IBGE reconhece as limitações do questionário do Censo para lidar com a questão, dada a avaliação complexa requerida pelo TEA e a amplitude do espectro, o que fez com que o tema fosse incluído sob a forma de uma pergunta única: "Já foi diagnosticado(a) com autismo por algum profissional de saúde?".
Para a coordenadora do Programa do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria da USP, os dados do Censo também podem ser importantes para justificar a formação especializada no tema de diferentes profissionais de saúde. "Esses dados levantam a necessidade de que (o TEA) possa estar na grade curricular, da Medicina, da Psicologia, da Fisioterapia, da Pedagogia, porque, além do diagnóstico, tem um plano de tratamento para o autismo que envolve uma equipe multiprofissional."
ESCOLAS
Conforme o Censo, a taxa de escolarização da população com autismo foi superior (36,9%) à observada na população geral (24,3%). Isso se dá pela concentração maior da população diagnosticada com autismo na faixa etária mais jovem, com altas taxas de escolarização, que concentram mais da metade da população de estudantes com autismo.
Dos estudantes com 6 anos ou mais, 760,8 mil foram diagnosticados com autismo, o que corresponde a 1,7% do total no País. A maior parte - 66,8%, totalizando 508 mil - estava matriculada no ensino fundamental regular.
As disparidades ficam mais evidentes quando se observa o nível de instrução de pessoas de 25 anos ou mais diagnosticadas com autismo, em relação às que não têm o diagnóstico. Na leitura do professor da UFSCar Nassim Elias, a queda na proporção de alunos com autismo nas etapas seguintes também indica que eles entram, mas muitas vezes não continuam na escola.
"Isso levanta um alerta de que a gente precisa fortalecer a questão da inclusão, formar profissionais que atuam nas escolas e capacitados para investigar o autismo, até chegar ao momento do laudo", afirma. "Isso implica que o governo, o MEC, dê uma atenção maior e invista mais na formação de profissionais da educação para que a gente consiga receber esses alunos e, principalmente, garantir a permanência e a conclusão das formações."
A ideia de uma educação inclusiva e divergências sobre o papel da escola no desenvolvimento de crianças e adolescentes autistas ainda são alvo de debate no Brasil. Especialistas avaliam que a inclusão não se efetivou como deveria, ainda que estudantes com TEA estejam matriculados em escolas regulares, com dificuldades que passam pela formação dos professores e de profissionais de apoio. Além disso, pesa a precariedade do sistema público de ensino, onde está a maioria das crianças autistas.
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
O Brasil tem 7,3% da população com algum tipo de deficiência, totalizando 14,4 milhões de pessoas, segundo os dados do Censo Demográfico 2022. Os números expõem maiores taxas de analfabetismo e menor nível de instrução entre pessoas com deficiência, desigualdades relacionadas às dificuldades de inclusão escolar e de acessibilidade.
Do total de pessoas com deficiência, a maioria é de mulheres - 8,3 milhões - e indivíduos acima dos 50 anos. As dificuldades para enxergar e de mobilidade (andar ou subir degraus), são as mais prevalentes. A análise por grupos etários revelou que a incidência de deficiências tende a aumentar com a idade. Com o ritmo mais acelerado de envelhecimento do País, a parcela da população com algum tipo de deficiência e a demanda por políticas específicas vai crescer.
Quando se consideram as grandes regiões, o Norte relatou 1,2 milhão (7,1% da população regional); o Nordeste, 4,6 milhões (8,6%); o Sudeste, 5,6 milhões (6,8%); o Sul, 1,9 milhão (6,6%); Centro-Oeste, 1 milhão (6,5%).