Além do hobby: o olhar da psiquiatria para o apego aos bebês reborn
Especialistas diferenciam colecionismo de bonecos hiperrealistas da quebra com a realidade que, para a psiquiatria, pode exigir tratamento

Bonecos que parecem de verdade, com aparência, peso e tamanho muito próximos aos de um recém-nascido, os chamados bebês reborn se tornaram um fenômeno na internet e na vida real.
No entanto, quando adultos desenvolvem um apego intenso a esses objetos a ponto de tratá-los como filhos, surgem questionamentos que vão além do simples colecionismo.
Para desmistificar o assunto, entender os limites entre hobby e preocupação e analisar o que está por trás desse comportamento, o Debate de Super Manhã da Rádio Jornal convidou especialistas para discutir o assunto nesta terça-feira (20).
Reveja o debate na íntegra
O fenômeno dos bebês reborn
Os bebês reborn são bonecos artesanais fabricados para imitar ao máximo um bebê real. A popularidade desse fenômeno tem sido impulsionada pelas redes sociais e pela exposição na internet.
O custo desses bonecos também varia bastante, podendo chegar a cerca de R$ 15.000, o que, segundo o sociólogo Wagner Arandas, pode até se tornar um "critério de distinção social" ou uma forma de projetar uma maternidade ou representação de família.
Linha tênue entre hobby e preocupação
É fundamental diferenciar o colecionismo ou o apreço por um objeto daquele comportamento que acende um sinal de alerta. Muitas pessoas colecionam bebês reborn por um desejo antigo não realizado na infância. E, para a psiquiatria, isso não é um problema.
A médica psiquiatra Adriana Figueira é clara ao afirmar que "existem pessoas que estão que são colecionadoras destas bonecas e tá tudo bem. Elas entendem que estão colecionando objetos inanimados, sem vida".
Quando o boneco se torna mais que um objeto
O ponto central de preocupação para a saúde mental surge quando um adulto perde o contato com a realidade e passa a enxergar o bebê reborn não como um boneco, mas como uma criança real.
Essa confusão entre o que é real e o que não é pode ser um indicativo de um quadro psicótico estabelecido, que requer atenção profissional.
Adriana Figueira explica: "um adulto que enxerga o objeto como uma criança viva realmente precisa de uma avaliação psiquiátrica. Podemos pensar em um quadro psicótico estabelecido, onde a pessoa quebrou com a realidade e está confundindo o que é real e o que não é real".
Ela ressalta, porém, que o número de pessoas nessa situação é "muito ínfimo nessa febre".
Terapia de suporte vs. necessidade de tratamento psiquiátrico
A psiquiatria e a psicologia reconhecem o conceito de Terapia de Suporte. Nela, em certas situações críticas e pontuais, um objeto pode servir como um apoio emocional temporário para ajudar a pessoa a não "colapsar e não falir completamente ou quebrar com a realidade completamente".
A psiquiatra menciona exemplos conhecidos onde essa dinâmica foi observada:
- O náufrago da ficção que se apega a uma bola para suportar a solidão;
- Um participante de reality show que criou uma boneca com objetos e se apegou a ela.
No entanto, Adriana diferencia essas situações pontuais do que se vê na realidade dos bebês reborn, onde, nos casos que geram alerta, a quebra com a realidade é mais estabelecida e constante.
Apego ou amor?
Questionada se é possível ter "amor real" por um bebê reborn, Adriana Figueira responde: "O amor exige troca, assim como todas as relações humanas. Então eu acredito que amor realmente não, você pode ter apego ao que ele representa em um momento na vida, mas amor real eu acredito que não".
Essa falta de troca, inerente a um objeto inanimado, implica que o apego, por mais intenso que seja, pode ser passageiro, como Adriana coloca: "quando não fizer mais sentido, eu posso deixar o bebê de lado, descartar ele. Só que com um filho não".
Quando e como buscar ajuda profissional
É importante reiterar: a maioria das pessoas que têm bebês reborn não precisam de tratamento psiquiátrico.
O alerta psiquiátrico se restringe àquele número "muito pequeno" de indivíduos que apresentam uma quebra com a realidade, confundindo o boneco com um ser vivo, e cujo comportamento começa a gerar disfuncionalidade na vida.
Alguns sinais de alerta que podem indicar a necessidade de procurar ajuda profissional:
- Confundir o boneco com uma criança real e viva;
- Acreditar que o boneco sente dor, febre ou outras necessidades físicas;
- O comportamento com o boneco interferir nas responsabilidades diárias (como trabalho ou cuidados com a casa);
- O apego levar ao isolamento social, afastando a pessoa de amigos e familiares.