Mães atípicas, amores imensos: uma jornada que exige políticas públicas, respeito e escuta
Neste Dia das Mães, é momento de dar voz a essas mulheres que vivem a maternidade atípica - uma caminho marcado por resiliência e amor

Por trás das estatísticas de diagnósticos de transtornos do neurodesenvolvimento, existe uma rede de mães que, longe dos holofotes, enfrentam jornadas intensas em busca de inclusão, cuidado e dignidade para seus filhos.
Neste Dia das Mães, damos voz a essas mulheres que vivem a maternidade atípica (termo que remete a uma realidade multifacetada que chama a atenção da sociedade para as necessidades de quem exerce a maternagem no cuidado de pessoas com deficiência). Elas seguem um caminho marcado por sobrecarga, resiliência e amor em sua forma mais intensa e real.
Para a psicóloga Paula Chaves, é essencial que a sociedade vá além da imagem romantizada da "mãe guerreira" e ouça de fato essas mulheres, ao reconhecer suas dores, suas lutas e suas urgências. A maternidade atípica exige políticas públicas eficazes, respeito contínuo e escuta ativa.
Ela alerta que a romantização da "mãe guerreira" é um fardo disfarçado de elogio. "A sociedade ainda cobra dessas mulheres uma força sobre-humana, como se elas não tivessem o direito de adoecer, descansar ou até mesmo fracassar", diz Paula. A psicóloga atua na Clínica Mundos, centro terapêutico com unidades no Recife e em Caruaru, Agreste de Pernambuco especializado no cuidado de pessoas com neurodivergência.
"Precisamos parar de enaltecer a exaustão como se fosse heroísmo. O que essas mães precisam é de suporte real: serviços públicos acessíveis, escolas preparadas, rede de apoio e espaço para cuidar da própria saúde mental."
Transformação social
Dar visibilidade às mães atípicas é também promover empatia e transformação social. "Essas mães carregam um peso emocional enorme. Elas precisam ser ouvidas sem julgamentos, acolhidas sem pressa e reconhecidas em sua totalidade: como mulheres, mães, profissionais e pessoas com direito ao autocuidado", ressalta Paula.
A psicóloga reforça que a luta por políticas públicas adequadas é urgente. Acesso a diagnósticos precoces, profissionais capacitados, inclusão escolar real e programas de apoio à família são essenciais. "O Estado precisa olhar para essas famílias com responsabilidade. O cuidado com crianças neurodivergentes não pode depender apenas da força individual das mães."
"Ser mãe atípica é resistir todos os dias"
A rotina da jornalista Rafaela Soares de Mendonça retrata os desafios da maternidade atípica. Ela deixou a carreira para se dedicar integralmente aos filhos: Ruan, de 11 anos, diagnosticado com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno opositor desafiador (TOD) e deficiência intelectual leve; e Heitor, de 8 anos, que tem apraxia da fala (transtorno motor de fala que afeta a habilidade para sequencializar os movimentos necessários para a produção dos sons da fala) e autismo nível 1.
"Moramos só nós três em casa. E, mesmo sem rede de apoio além da minha mãe, sigo firme. Porque ser mãe atípica é lutar e enfrentar obstáculos todos os dias, para que os filhos tenham uma vida com dignidade, respeito e justiça", diz Rafaela.
Para ela, lidar com a exclusão social e escolar é um dos maiores desafios. A dor não vem apenas dos diagnósticos, mas do olhar do outro, da falta de acolhimento, da ausência de políticas públicas eficientes.
"Lutar por inclusão escolar e social é um desafio constante. Dói perceber a falta de compreensão e empatia de muita gente. As pessoas ainda não sabem, ou não querem, entender que crianças atípicas precisam ser acolhidas; não apenas aceitas, mas incluídas de verdade", ressalta.
Mesmo com a sobrecarga física e mental, Rafaela tenta criar "respiros". Na natação e nos momentos breves de silêncio, ela recarrega as energias. “Raramente tenho momentos livres, mas pratico natação e, quando dá, me permito sair um pouco."
Ela deixa uma mensagem a outras mães: "Que nenhuma permita que desrespeitem seu filho. Que não se calem diante da injustiça. Muitas vezes, nossa voz pode até parecer não ser ouvida, mas isso não quer dizer que devemos abaixar a cabeça. A luta pelos direitos dos nossos filhos é diária. E a nossa força é infinita quando guiada pelo amor."
"Ser mãe atípica é descobrir uma nova forma de ver o mundo"
A estudante de pedagogia Bruna Aguiar, moradora de Chã de Cruz, em Paudalho (Zona da Mata de Pernambuco), também vive intensamente a maternidade atípica. Ela é mãe de João Benjamim, de 7 anos, diagnosticado com autismo e TDAH.
Ao lado do marido, Bruna organiza a rotina da casa e se dedica integralmente ao filho, que realiza cerca de 21 horas de terapias semanais.
"Ser mãe atípica é viver o amor materno fora do padrão, ao enfrentar desafios diários com força e sensibilidade. É perceber que cada pequeno avanço tem um significado gigante; é se reinventar a cada dia", compartilha Bruna, emocionada.
Ela teve diagnóstico tardio de transtorno do espectro autista (TEA) e TDHA. "Depois que meu filho começou a apresentar sinais, percebi que eu também carregava tudo aquilo desde a infância, mas nunca tive um diagnóstico. Foi um alívio entender o que se passava comigo", conta.
Para Bruna, a maternidade atípica é uma forma de transformação: não só do filho, mas das próprias mães. "Somos força disfarçada de carinho, amor que ensina, sustenta e transforma. Cada gesto de cuidado, cada noite mal dormida, cada conquista carrega um poder imenso", destaca.