Doença negligenciada, vidas esquecidas: subnotificação e diagnóstico tardio agravam cenário de Chagas
Com 1 milhão de infectados no País, enfermidade é a quarta que mais mata entre as doenças infectoparasitárias. Pernambuco é protagonista no tratamento

Também conhecida como tripanossomíase americana, a doença de Chagas é negligenciada e afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Transmitida pelo inseto vetor conhecido como 'barbeiro', a enfermidade pode causar sérios problemas de saúde se não for diagnosticada e tratada precocemente. Estima-se que, no Brasil, 1 milhão de pessoas esteja infectada.
No Dia Mundial da Doença de Chagas (14 de abril), vale reforçar que a doença de Chagas continua a ser um grave desafio de saúde pública: ocupa a quarta causa de morte entre as doenças infectoparasitárias no País, com cerca de 4,5 mil óbitos por ano.
Pernambuco é destaque na produção de remédio contra Chagas
O Estado de Pernambuco tem um papel importante no diagnóstico e tratamento da doença de Chagas. O Laboratório Farmacêutico de Pernambuco (Lafepe) é o único do Brasil que produz o benznidazol, medicamento essencial no tratamento da enfermidade e que integra a lista de fármacos prioritários do Sistema Único de Saúde (SUS).
O benznidazol produzido pelo Lafepe é fabricado em comprimidos de 100 mg e 12,5 mg, o que garante flexibilidade na dosagem, especialmente para crianças e pacientes que necessitam de ajustes individuais.
Tratamento essencial
"Produzimos o benznidazol com o compromisso de atender a uma demanda de saúde pública que exige responsabilidade e excelência. Como único laboratório nacional com essa missão, o Lafepe tem um papel estratégico não apenas para Pernambuco, mas para todo o País. Essa é uma ação que impacta diretamente a vida de pessoas que, muitas vezes, vivem em contextos de grande vulnerabilidade", destaca o presidente do Lafepe, Plínio Pimentel Filho.
A história de Quitéria e o impacto silencioso da doença de Chagas
A dona de casa Quitéria Maria Pereira dos Santos, de 53 anos, moradora de Jaboatão dos Guararapes, município do Grande Recife, descobriu o diagnóstico de doença de Chagas há cerca de três meses e iniciou o tratamento com o benznidazol.
Natural da cidade de São Benedito do Sul, na Zona da Mata pernambucana, ela acredita que adquiriu a doença ainda na infância. "Morávamos numa casa de taipa, sem eletricidade. Minha mãe matava muitos insetos debaixo da minha cama e das minhas irmãs", lembra.
A história da família dela é traçada pela presença da enfermidade. Além de Quitéria, outras três irmãs também foram diagnosticadas - uma delas, infelizmente, foi a óbito.
Pernambuco tem 2º maior índice de risco de infecção
Apesar no protagonismo no tratamento, Pernambuco precisa ficar alerta. Dados do Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, divulgado em abril de 2022, apontou que o Estado tem o segundo maior índice de risco de infecção, com 87,57% dos municípios com subíndice Chagas diferente de zero.
Pernambuco fica atrás apenas de Goiás, que registrou 93,5% dos municípios nesse grupo. A Região Norte tem o maior índice de registros da doença.
Subnotificação
A doença segue um curso silencioso em grande parte dos casos, o que dificulta o diagnóstico precoce e o acesso ao tratamento. A maioria dos diagnósticos ainda ocorre tardiamente, quando a infecção já evoluiu para complicações cardíacas, digestivas ou neurológicas.
Esses fatores podem contribuir para uma subnotificação, explica o cardiologista Wilson Oliveira Jr. "Há uma dificuldade de diagnóstico porque, muitas vezes, a doença de Chagas pode ser confundida com outros tipos de insuficiência cardíaca", diz.
"Por isso, datas como o 14 de abril são relevantes para divulgar e conscientizar os médicos e população em geral para o fato de que essa é uma doença que ainda existe e está presente na população brasileira, especialmente entre os mais vulneráveis", acrescenta o médico.
Após perceber a alta procura de pacientes por atendimento com a enfermidade, Wilson Oliveira Jr. foi um dos idealizadores do Ambulatório de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca Prof. Luiz Tavares da Universidade de Pernambuco (UPE), em 1987, no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc).
Localizado em Santo Amaro, área central do Recife, o serviço foi ampliado em 2009 para a Casa do Portador de Doença de Chagas, que hoje tem cerca de mil pacientes cadastrados.
Nos casos mais extremos, os pacientes podem receber indicação para colocação de marca-passo e até transplantes de coração. No entanto, não significa que todos os casos sejam graves.
"Cerca de 70% dos pacientes que têm doença de Chagas não desenvolvem problemas cardíacos. Mas, saber do diagnóstico antecipadamente pode prevenir complicações. Hoje, com a migração em escala global, a doença deixou de ser uma preocupação apenas do Brasil e da América Latina para ser de todo o mundo", ressalta Wilson Oliveira Jr.
Para mitigar esse cenário, em 2020, a Doença de Chagas Crônica (DCC) passou a integrar a lista de doenças de notificação compulsória no Brasil, em uma tentativa de melhorar o monitoramento.
Doença de Chagas: causa e sintomas
A Doença de Chagas é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, transmitido ao ser humano por meio do contato com fezes infectadas de insetos triatomíneos, conhecidos popularmente como 'barbeiros'.
A transmissão ocorre geralmente quando o inseto defeca próximo à pele lesionada ou às mucosas (olhos e boca) durante sua alimentação.
Os sintomas da doença de Chagas variam de acordo com a fase da doença.
Na fase aguda, que ocorre nos primeiros dois meses após a infecção, os sintomas incluem febre prolongada, inchaço no local da picada, fadiga, dor de cabeça, inchaço de linfonodos, dores musculares e aumento do fígado e baço.
Já na fase crônica - registrada anos após a infecção, em pacientes não tratados - os principais sintomas são complicações cardíacas (arritmias, insuficiência cardíaca, aumento do coração, morte súbita) e complicações digestivas (aumento do esôfago, causando dificuldade para engolir, e aumento do intestino grosso, levando a constipação severa).